quarta-feira, 9 de maio de 2012

PROTEÍNA DA DIETA

PROTEÍNA DA DIETA, BEN (Balanço Energético Negativo) E FERTILIDADE EM VACAS LEITEIRAS – Parte 1 Este texto é parte da palestra apresentada por Dr. Ron Butler, no XII Curso de Novos Enfoques na Reprodução e Produção de Bovinos, realizado em Uberlândia em março de 2008. Pontos para lembrar  O uso de altos níveis de proteína nas dietas para vacas leiteiras tem sido associado a diminuição na fertilidade.  O uso de altos níveis de proteína nas dietas aumenta os níveis de uréia e amônia nos folículos ovarianos e no útero. Altas concentrações de uréia têm efeitos diretos sobre o ambiente uterino.  Os efeitos combinados de uréia elevada e balanço energético negativo comprometem a viabilidade dos embriões em vacas em lactação e contribuem para diminuir a fertilidade. Introdução As estratégias para atender as necessidades nutricionais de vacas leiteiras de alta produção têm sido ajustadas em resposta aos ganhos genéticos na produção de leite. As dietas ricas em proteína bruta (17 a 19%) são geralmente utilizadas no início da lactação, tanto para estimular como para manter uma elevada produção de leite. Ainda que altos níveis protéicos na ração estimulem a produção de leite, alto nível de proteína tem sido associado muitas vezes com diminuição do desempenho reprodutivo (Butler, 1998; Westwood et al., 1998; Tamminga, 2006). Revisões anteriores sobre consumo de proteína e reprodução identificaram diversos mecanismos que enfatizam as discrepâncias nos efeitos sobre o desempenho reprodutivo observados entre diversos estudos: a. É preciso considerar as frações de proteína da dieta [proteína degradável no rúmen (PDR) e proteína não degradável no rúmen (PNDR)] fornecidas em proporções ideais em relação às necessidades ao invés de usar apenas a % de proteína bruta. b. O balanço energético negativo (BEN) aumenta a probabilidade de efeitos adversos dos altos níveis de proteína da dieta durante o início da lactação. A concepção e o estabelecimento da prenhez são uma progressão ordenada de eventos e processos inter-relacionados, que ocorrem dentro do trato reprodutivo: desenvolvimento folicular resultando em ovulação, fertilização do ovócito, transporte e desenvolvimento do embrião, reconhecimento materno e implantação do embrião. Hipoteticamente, amônia, uréia ou outro produto tóxico do metabolismo da proteína poderia interferir em um ou mais destes passos, comprometendo a eficiência reprodutiva. O presente trabalho enfoca os efeitos prejudiciais dos altos teores de proteína da dieta que podem ocorrer no ovário e no útero. Monitorando o metabolismo da proteína Para a vaca leiteira em lactação, o valor biológico da proteína da dieta está diretamente relacionado com o estado energético da vaca e o balanço dos aminoácidos absorvidos em relação às suas necessidades. Nas vacas em lactação, a proteína bruta (PB) é formada pelas frações degradáveis (PDR) e não degradáveis (PNDR) no rúmen. Pela fermentação ruminal normal, PDR proporciona uma fonte de amônia para a síntese microbiana da proteína. Uma parte da amônia escapa da incorporação pelos microrganismos, difunde-se para fora do rúmen pelo sangue portal e sofre desintoxicação no fígado, onde é convertido em uréia. A quantidade de amônia produzida no rúmen e o teor que escapa, sendo convertido em uréia, refletem diretamente a PDR da dieta e a disponibilidade de carboidratos fermentáveis no rúmen, para dar suporte ao crescimento microbiano e a síntese de proteína. Uma segunda fonte de uréia produzida pelo fígado é a desaminação e metabolismo de aminoácidos. Os aminoácidos circulantes originam-se da PNDR, proteína microbiana e reservas de proteína do organismo. Os aminoácidos não captados para utilização na síntese de proteína do leite são desaminados pelo fígado para produzir substratos de energia e uréia. Ainda que a produção de amônia e uréia possa ser minimizada balanceando PDR e PNDR, o consumo elevado para manter a produção de leite e a variação na produção de proteína microbiana no rúmen torna difícil a previsão exata da disponibilidade de aminoácidos específicos. Como conseqüência, as vacas de maior produção consomem mais proteína do que necessitam e as concentrações sangüíneas de uréia são aumentadas. A uréia que circula na corrente sangüínea é medida como nitrogênio uréico no plasma (PUN) ou frações séricas e, de uma forma mais genérica, é muitas vezes denominado nitrogênio uréico sangüíneo (BUN). Em geral, o BUN alcança um pico de 4 a 6 horas após as refeições por causa do catabolismo de PDR, enquanto que o metabolismo de PNDR contribui para o BUN de forma contínua, durante todo o dia. A uréia passa facilmente do sangue para o leite dentro da glândula mamária. O nitrogênio uréico no leite (MUN) proporciona um meio rápido, não invasivo e menos caro de se avaliar o BUN e de monitorar o metabolismo da proteína como um todo nas vacas em lactação. As medidas de PUN ou MUN têm fornecido um índice útil para o estudo da associação entre o metabolismo da proteína da dieta e a eficiência reprodutiva. Em muitos estudos, os aumentos nas concentrações de PUN ou MUN foram correlacionados com menor fertilidade em vacas leiteiras, tanto em confinamento como em rebanhos mantidos a pasto (Butler, 1998; Westwood et al., 1998; Tamminga, 2006; Wittwer et al., 1999). As taxas de prenhez tiveram diminuição de cerca de 20% quando PUN ou MUN era >19 mg/dl (Butler et al., 1996). Mais recentemente, um amplo estudo de campo sugeriu que a taxa de prenhez é reduzida mesmo com níveis de MUN mais baixos (>15,4 mg/dl; Rajala-Schultz et al., 2001). Proteína da dieta e alterações associadas no fluido folicular ovariano Em estudo recente, foram coletadas amostras de fluido folicular ovariano ao estro e no dia 7 do ciclo estral em vacas no início da lactação (Hammon et al., 2005). Com base nas concentrações de PUN (≥ 20 e < 20 mg/dl), as vacas foram divididas em dois grupos. Tanto a uréia como a amônia estavam elevadas no fluido folicular das vacas com alto teor de PUN. Estes resultados confirmam um estudo anterior com novilhas que foram arraçoadas de forma a gerar altos níveis de amônia no rúmen e resultou em altos níveis de amônia no fluido folicular (Sinclair et al., 2000). Ovócitos coletados de novilhas arraçoadas com dietas que geram altos níveis de amônia tiveram taxas de clivagem mais baixas do que as novilhas arraçoadas com dietas gerando baixos níveis de amônia. Elos entre o metabolismo de proteína e o ambiente uterino O desenvolvimento com sucesso de um embrião durante o início da prenhez depende do ambiente uterino, que é dinâmico e apresenta diferenças secretórias acentuadas ao longo do ciclo estral devido à regulação pelos esteróides ovarianos. Durante o início da prenhez, a sinalização local do blastocisto modifica ainda mais o meio e induz a secreção de proteínas específicas pelo epitélio uterino. Os efeitos da proteína bruta da dieta sobre os constituintes das secreções uterinas foram examinados em vacas leiteiras de alta produção, em diferentes estágios do ciclo estral (Jordan et al., 1983). O BUN e a uréia no fluido uterino foram mais elevados para as vacas arraçoadas com 23% de proteína bruta do que as vacas que receberam uma dieta com 12% de proteína bruta. O alto consumo de proteína alterou as concentrações de minerais nas secreções uterinas, mas apenas durante a fase lútea e não no estro. Também foram observados efeitos diferenciais da dieta rica em proteína sobre o pH uterino ao longo do ciclo estral (Elrod e Butler, 1993; Elrod et al., 1993). O pH uterino normalmente aumenta de cerca 6,8 ao estro para 7,1 no dia 7 do ciclo estral (fase lútea), mas este aumento não ocorreu tanto em novilhas como em vacas em lactação alimentadas com excesso de PDR ou PNDR (PUN alto). Em um estudo recente, houve uma relação inversa entre o pH uterino e as concentrações de PUN durante 36 horas de observação. A medida seqüencial de PUN e pH uterino demonstrou que o pH uterino é dinâmico e muda em resposta ao PUN, com um período de várias horas. A infusão intravenosa contínua de uréia em vacas em lactação reduziu significativamente o pH uterino depois de 12 horas (Rhoads et al., 2004). Estes resultados sugerem fortemente que as concentrações de PUN ao longo do intervalo entre 12 e 24 mg/dl podem exercer efeitos diretos sobre as secreções uterinas. Além da uréia, a amônia também se mostrou elevada no fluido uterino em vacas leiteiras com PUN alto (Hammon et al., 2005). Os altos níveis de amônia provavelmente resultaram do metabolismo local e da utilização do aminoácido glutamina como fonte de energia, mais do que pela difusão vinda da corrente sangüínea. Dentro do útero há aumento da amônia durante a fase lútea e poderia aumentar ainda mais os efeitos negativos da uréia sobre o pH e outras secreções. Os resultados de todos estes estudos sugerem que o aumento da uréia pela utilização de uma dieta rica em proteína pode reduzir a fertilidade por interferir com os efeitos indutivos normais da progesterona sobre o microambiente uterino, proporcionando desta forma condições sub-ótimas para manter o desenvolvimento do embrião (Butler, 2001). Desenvolvimento embrionário Os efeitos do alto consumo de proteína sobre o desenvolvimento embrionário precoce têm sido estudados em vacas leiteiras. Vacas em lactação (40-60 dias após o parto) foram alimentadas com dietas que resultam em PUN moderado ou alto (<19 mg/dl>), e os embriões foram coletados 7 dias após a superovulação e IA (Rhoads et al., 2006). Os embriões foram transferidos para novilhas leiteiras receptoras, que também foram alimentadas com dietas que levam a PUN baixo ou alto, mas com balanço energético positivo. As taxas de prenhez foram mais baixas nas receptoras depois da transferência dos embriões recuperados de vacas com PUN alto em relação às vacas com PUN moderado (11 e 35%, respectivamente). Estes resultados indicam que os efeitos prejudiciais do PUN elevado ocorre antes do dia 7 após a IA e podem ser direcionados ao desenvolvimento do oócito nos folículos ovarianos ou a aspectos do desenvolvimento embrionário no oviduto e útero. Recentes estudos in vitro mostraram que a uréia atua sobre a maturação do oócito e não após a fertilização para impedir o desenvolvimento embrionário até o estágio de blastocisto (De Wit et al., 2001; Ocon e Hansen, 2003). Os níveis de uréia usados in vitro foram os mesmos que reduzem a fertilidade em vacas (Butler et al., 1996; Rhoads et al., 2006). A uréia também antecipa a eclosão do blastocisto (Roland e Butler, não publicado), o que poderia resultar em uma assincronia entre o embrião e o ambiente uterino. Além disso, a amônia ou a uréia elevada na luz do útero de vacas arraçoadas com dieta rica em proteína (Hammon et al, 2000; 2005) pode comprometer diretamente o desenvolvimento embrionário, por alterar as secreções uterinas (Rhoads et., 2004). Os resultados de transferência de embriões também mostraram que a taxa de prenhez não foi afetada pelo PUN elevado nas receptoras quando os embriões eram transferidos para novilhas em balanço energético positivo (isto é, efeito do PUN nas doadoras, mas não nas receptoras). A qualidade embrionária foi reduzida nas vacas em lactação arraçoadas com excesso de proteína degradável no rúmen (Blanchard et al., 1990), mas não foi encontrado nenhum efeito prejudicial do nível elevado de proteína bruta da dieta e da uréia do sangue na qualidade embrionária ou sobrevivência em vacas leiteiras que não estão em lactação ou em novilhas de corte (Garcia-Bojalil et al., 1994; Gath et al., 1999; Kenny et al., 2002). Considerando a acentuada diferença no balanço energético dos bovinos em lactação e não em lactação destes estudos, os efeitos da dieta rica em proteína nas vacas em lactação podem exacerbar processos metabólicos ou mediados por hormônios, que resultariam em um comprometimento do desenvolvimento embrionário. De fato, o aumento das perdas embrionárias foi relatado em novilhas arraçoadas com dieta com restrição de energia, contendo altos níveis de proteína degradável e resultando em PUN elevado (Elrod e Butler, 1993). Nas vacas em lactação, durante o início do período após o parto (40 a 60 dias necessários para o desenvolvimento folicular) o BEN pode exercer efeitos residuais que comprometem a saúde dos ovócitos durante o período de monta (Britt, 1991; Lucy et al., 1992; Sartori et al., 2002). Além disso, algum aspecto do metabolismo da proteína (uréia ou amônia) poderia comprometer ainda mais o desenvolvimento embrionário bem sucedido. As pesquisas adicionais sobre as interações entre BEN e o metabolismo da proteína da dieta, que podem ter impacto sobre os processos do desenvolvimento embrionário, devem ajudar a entender a baixa fertilidade de vacas leiteiras de alta produção. É interessante que níveis plasmáticos de progesterona mais elevados melhoram alguns dos efeitos adversos de PUN sobre a fertilidade após a IA em vacas leiteiras (Butler, 2001). Esta observação está de acordo com a idéia de que efeitos carry-over prejudiciais de BEN para níveis plasmáticos menores de progesterona podem aumentar a sensibilidade do útero frente à uréia. Estratégias de arraçoamento relacionadas com a proteína da dieta e fertilidade Quando as dietas pré-parto contêm níveis mais elevados de proteína do que o recomendado pelo NRC há, em geral, uma melhora no condição metabólica das vacas. Este tipo de resposta deveria ser benéfico para a atividade ovariana no início do período pós-parto e a fertilidade subseqüente. O uso de dietas contendo 14-16% de proteína bruta parece ser mais efetivo na manutenção ou no aumento da ingestão de matéria seca (IMS) no período pré-parto (VandeHaar et al., 1999; Phillips et al., 2003). Considerando os efeitos carry-over sobre a IMS no pós-parto e o reduzido acúmulo de triglicérides pelo fígado, o uso de dietas com densidade energética mais alta (1,6-1,65 Mcal NEL/kg) no pré-parto parece mais importante do que altas porcentagens de proteína bruta (VandeHaar et al., 1999; Doepel et al., 2002). Pode ser que este seja o caso, uma vez que o conhecimento sobre as necessidades de aminoácidos, particularmente as cadeias ramificadas, sob uma variedade de consumo de nutrientes ainda é inadequado. A nutrição de vacas de alta produção para sustentar o pico da lactação exige dietas ricas em proteína. Como continua difícil prever os balanços de aminoácidos específicos com base na composição da dieta, as dietas serão necessariamente formuladas com um certo excesso de proteína total. A cuidadosa formulação de dietas de acordo com as diretrizes do NRC para PDR e PNDR, assim como a densidade energética, entretanto, deve minimizar as concentrações de uréia e amônia no ovário e no útero para reduzir os efeitos negativos sobre a fertilidade. Resumo Como um todo, as interações da nutrição sobre o desempenho reprodutivo de bovinos leiteiros envolvem os componentes mais importantes da dieta, energia e proteína, e sua adequacidade em relação às necessidades para a produção de leite. O declínio observado na fertilidade pode ser atribuído aos efeitos combinados de um ambiente uterino que é dependente de progesterona, mas que se torna sub-ótimo para o desenvolvimento embrionário por efeitos anteriores do balanço energético negativo e pode ser comprometido ainda mais pelos efeitos da uréia ou amônia, resultante do consumo da dieta rica em proteína.

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