quarta-feira, 9 de maio de 2012

ALTA PRODUÇÃO DE LEITE x REPRODUÇÃO


Alta produção de leite é compatível com boa reprodução?


Resumo
 

Há muita discussão em torno do possível antagonismo entre alta produção de leite e desempenho reprodutivo. Este artigo revisa métodos de mensuração do desempenho reprodutivo e da associação entre produção de leite e taxa de prenhez entre indivíduos e rebanhos. A principal questão é se a fertilidade (a capacidade de manutenção da função reprodutiva e da prenhez) das vacas leiteiras de fato declinou, em contraste com o sucesso dos sistemas e práticas de manejo em atender as necessidades metabólicas, de alojamento e sociais de animais com produção crescente e se isto pode ser atribuído ao aumento da produção de leite. Não há dúvidas de que a produção por vaca aumentou, mas não se sabe quanto desse aumento pode explicar o aparente declínio da fertilidade. É importante separar a biologia da função reprodutiva dos efeitos de decisões de manejo (descarte) baseadas em fatores econômicos. A maioria dos parâmetros reprodutivos tradicionais (intervalo entre partos, taxa de concepção, taxa de não retorno ao cio) corresponde a medidas de resultados incompletos ou tendenciosos. Tanto os dados de rebanho quanto os individuais devem incluir a maior quantidade de informação possível a respeito dos fatores de confundimento que podem interferir na relação entre produção e reprodução. Dados populacionais ou de rebanho não devem ser extrapolados para associações individuais. A qualidade dos dados e dos métodos analíticos disponíveis na literatura não permite o estabelecimento de associação clara entre alta produção de leite e probabilidade e momento de ocorrência da prenhez, considerando-se vacas de vários níveis de produção de uma mesmo população em um dado momento, ou o aumento da produção ao longo do tempo.
 

Introdução
 

A produção de leite e o desempenho reprodutivo são os principais fatores determinantes da lucratividade em vacas leiteiras. O possível antagonismo entre alta produção de leite e desempenho reprodutivo é um dos principais assuntos discutidos entre produtores de leite e pesquisadores. Alguns se preocupam com a seleção genética para fertilidade, ou questionam se o manejo é capaz de satisfazer as necessidades das vacas em termos de alta produção e obtenção de prenhez no momento adequado. Este artigo é uma revisão dos métodos de mensuração do desempenho reprodutivo e da associação entre nível de produção de leite e taxa de prenhez, tanto no nível de rebanho como no nível individual.
 

Muitos artigos mencionam declínio da fertilidade em vacas leiteiras ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, mas faltam dados confiáveis que possam embasar tais afirmações. Alguns conjuntos de dados bastante citados [2, 3, 4] indicam declínio do risco de concepção ao longo dos últimos 50 anos, intervalo em que houve aumento considerável da produção de leite por vaca. Tais dados devem ser avaliados com cuidado. Associações temporais não implicam causalidade. Além disso, muitos aspectos da produção leiteira sofreram mudanças durante as duas últimas gerações, portanto devemos ter cautela ao inferir relação de causa e efeito entre alta produção e redução do desempenho reprodutivo em situações com grande potencial de ocorrência de fatores de confundimento.
 

Revisando estudos sobre a associação entre produção de leite e reprodução, Morton [5] destacou alguns pontos fracos: a) muitos estudos ignoraram outras variáveis que sofreram alteração ao longo do tempo de acordo com a produção e a reprodução, tornando-se vulneráveis ao efeito de confundimento e, portanto, superestimando o efeito da produção; b) possíveis vieses na associação aparente, devido a redução da produção de leite em relação a prenhez em si ou as decisões de manejo relacionadas ao momento da primeira inseminação em função da produção de leite, ou a ambos, podem não ter sido considerados e c) pode haver influência de uma falácia ecológica, isto é, inferências equivocadas no nível individual, a partir de dados de rebanho ou populacionais.
 

Acredita-se que a maior produção de leite seja a causa do aparente declínio do desempenho reprodutivo porque isso parece plausível e ambos ocorreram ao mesmo tempo; outras variáveis potenciais de confundimento da probabilidade e do momento de ocorrência da prenhez (adequação da dieta e do manejo nutricional, alojamento, mão-de-obra qualificada, etc.) são ignoradas, ou consideradas, mas não analisadas, por serem dados difíceis de obter. A principal questão é se a fertilidade (a capacidade de manutenção da função reprodutiva e da prenhez) das vacas leiteiras de fato declinou, em contraste com o sucesso dos sistemas e práticas de manejo no atendimento das necessidades metabólicas, de alojamento e sociais de animais de produção crescente dotados de boa capacidade reprodutiva, e se a fertilidade de fato caiu a ponto que possa ser atribuído ao aumento da produção de leite. Não há dúvidas de que a produção por vaca aumentou, mas não se sabe quanto desse aumento pode explicar o aparente declínio da fertilidade. É importante separar a biologia da função reprodutiva dos efeitos de decisões de manejo (descarte ou manutenção da reprodução) baseadas em fatores econômicos. Animais de maior produção tendem a ser inseminados e têm menor chance de descarte [6]. Não se sabe se a taxa de prenhez (isto é, a probabilidade da vaca emprenhar por unidade de tempo; literalmente, a velocidade com que a vaca emprenha) vem caindo nos diversos sistemas de produção de leite mundiais.
 

A herdabilidade estimada da fertilidade é baixa (abaixo de 5%, comparada a 25 a 50% para características produtivas) [9]. Foram relatadas correlações genéticas e fenotípicas de baixa a moderada entre produção e reprodução, mas geralmente em direção desfavorável (dados resumidos por Pryce et al [10]). Entretanto, é difícil saber como aplicar essa informação, uma vez que ela se baseia em dados tendenciosos ou incompletos.
 

Referências 

1. Nebel RL, McGillard ML. Interactions of high milk yield and reproductive performance in dairy cows. J Dairy Sci. 1993; 76: 3257-3268.
 

2. Lucy MC. Reproductive loss in high-producing dairy cattle: Where will it end? J. Dairy Sci. 2001; 84:1277-1293.
 

3. Butler WR. Review: effect of protein nutrition on ovarian and uterine physiology in dairy cattle. J. Dairy Sci.1998; 81:2533-2539.
 

4. Royal MD, Darwash AO, Flint APF, Webb R, Woolliams JA, Lamming GE. Declining fertility in dairy cattle: changes in traditional and endocrine parameters of fertility. Anim. Sci.2000; 70:487-502.
 

5. Morton JM. Potential bias in observed associations between milk yield and reproductive performance in dairy cows. Proc 11th Intl. Symp. Vet Epidem. Econ. 2006;
 

6. Grohn YT, Rajala-Schultz PJ. Epidemiology of Reproductive Performance in Dairy Cows. Anim. Reprod. Sci.2000; 60-61: 605-614.
 

7. Marti CF, Funk DA. Relationship between production and days open at different levels of herd production. J.Dairy Sci. 1994; 77:1682-1690.
 

8. Kadarmideen HN, Thompson R, Coffey MP, Kossaibati MA. Genetic parameters and evaluations from single- and multiple trait analysis of dairy cow fertility and milk production. Livest. Prod. Sci.2003; 81:183- 195.
 

9. Jamrozik J, Fatehi J, Kistemaker GJ, Schaeffer LR. Estimates of genetic parameters for Canadian Holstein female reproduction traits. J. Dairy Sci. 2005; 88:c2199-2208.
 

10. Pryce JE, Royal MD, Garnsworthy PC, Mao IL. Fertility in the high producing dairy cow. Livest. Prod. Sci.2004; 86:125-135.
 

11. LeBlanc S. Using DHI Records On-farm to Evaluate Reproductive Performance. Adv. Dairy Technol. 2005; 17:319-330.
 

12. Santos JEP, Thatcher WW, Chebel RC, Cerri RLA, Galvao KN. The effect of embryonic death rates in cattleon the efficacy of estrus synchronization programs. Anim Reprod Sci 2004;82-83(SI):513-535.
 

13. Weigel K. Improving the reproductive efficiency of dairy cattle through genetic selection. J. Dairy Sci.2004; 87(E. Suppl.):E86-E92.
 

14. Ferguson JD, Galligan DT. Assessment of Reproductive Efficiency in Dairy Herds. Compend. Cont. Educ. Pract. Vet.2000; 22:S150-S158.
 

15. Grohn YT, Eicker SW, Ducrocq V, Hertl JA. Effect of diseases on the culling of Holstein dairy cows in New York State.
J. Dairy Sci. 1998; 81(4): 966-978 XVI Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos - 2012 
http://www.fca.unesp.br/conapecjr
 


Alta produção de leite é compatível com boa reprodução? Parte 2

Este texto é parte da palestra apresentada por Stephen LeBlanc (University of Guelph, Canada), no XVI Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, realizado em Uberlândia de 15 e 16 de março de 2012.

Mensuração da associação entre produção de leite e desempenho reprodutivo
 

Medidas de produção
 

A produção de leite é mensurada de várias maneiras, cada uma com pontos fracos e fortes. A produção de leite no início da lactação, baseada na produção de leite no primeiro dia de avaliação ou na produção ao longo de 60 dias, tem a vantagem de incluir número maior de animais na análise, mas pode não ser capaz de prever os resultados da lactação completa com precisão. A produção de leite de 60 dias pode ser usada para medir a produção antes do início da reprodução, evitando a interferência de fatores de confundimento relacionados à reprodução, como o descarte ou a falha na concepção. A produção total de leite de 305 dias ajustada para parição é uma medida mais precisa de produção, mas a limitação da análise ao desempenho reprodutivo de vacas com registros completos de lactação introduz um viés devido à exclusão da informação referente a vacas removidas até os 304 dias de lactação (DIM), por motivos de baixa produção ou baixo desempenho reprodutivo.
 

A produção de leite por vaca aumentou aproximadamente 2% ao ano em muitos países com sistemas distintos de produção. Uma vaca criada a pasto que produz 8.000 litros de leite em 305 dias pode ser considerada de alta produção ou sob risco de necessidades metabólicas excessivas, enquanto uma vaca com o mesmo nível de produção criada em sistema intensivo pode ser considerada média em um rebanho e candidata ao descarte por baixa produção em outro rebanho da mesma região.
 

Medidas de reprodução
 

Medidas fenotípicas de fertilidade devem refletir a capacidade da vaca de emprenhar em um intervalo pós-parto ideal do ponto de vista econômico. Apesar das dificuldades envolvidas, é importante diferenciar a função fisiológica e capacidade de emprenhar de problemas de manejo como confinamento, piso escorregadio, grande número de vacas por tratador ou falta de observação, que podem fazer com que animais férteis deixem de expressar os principais sinais de estro, resultando na ausência de detecção ou em baixa probabilidade de prenhez à inseminação. Os métodos tradicionais de mensuração da reprodução em vacas leiteiras se baseiam em medidas indiretas ou tendenciosas, como o intervalo até a primeira inseminação, as taxas de não-retorno e o intervalo entre partos.
 

O intervalo até a primeira inseminação pode sofrer grande interferência do manejo do rebanho, principalmente da baixa taxa de detecção de cio em muitos deles (a taxa média de detecção de cio nos rebanhos leiteiros canadenses é de aproximadamente 35% por período de 21 dias [11]), mas também das decisões referentes ao momento de inseminação de parte ou de todas as vacas do rebanho. Quando não se detecta estro em uma vaca até o dia 100 da lactação, isso significa que ela não entrou em estro até então ou que, apesar de vários ciclos estrais e ovulações, aquele foi o primeiro cio detectado?
 

O risco de concepção (RC) é a probabilidade de que uma vaca inseminada receba diagnóstico positivo de prenhez naquele serviço, geralmente por exame veterinário. O estágio em que a prenhez é diagnosticada é importante para a comparação entre estudos, pois a taxa de perda de prenhez é alta entre os 28 e os 50 dias após a inseminação [12]. Alguns relatos empregaram o risco de concepção como medida de fertilidade, o que, na melhor das hipóteses, reflete apenas parcialmente o processo de obtenção de prenhez em vacas vazias, uma vez que não leva em conta as vacas que não foram inseminadas, nem o momento da inseminação. O risco de concepção reflete a eficiência do uso do sêmen e pode refletir a acuidade da detecção de cio, a técnica de inseminação ou a adesão ao protocolo de sincronização, mas não é necessariamente uma medida da fertilidade básica das vacas.
 

A taxa de não-retorno é uma superestimativa grosseira da proporção real de vacas prenhes, mas é muito acessível, fácil de medir e não sofre influência do intervalo entre partos, uma vez que não depende de um parto subsequente. Surpreende que inferências baseadas em dados claramente incorretos tenham sido feitas por tanto tempo. A análise da TC com base em partos subsequentes elimina o viés introduzido pela suposição de prenhez, mas introduz um novo viés quando somente as vacas que levam a gestação a termo são incluídas.
 

Tanto o intervalo entre partos quanto o "tempo de serviço" (número de dias entre o parto e a concepção) são muito influenciados pela inclusão apenas das vacas que emprenham. É difícil justificar o uso do intervalo entre partos como medida do desempenho reprodutivo se todas as vacas que não emprenham são excluídas. O intervalo entre partos é influenciado também pela consideração apenas de animais multíparos. A probabilidade de descarte de vacas prenhes é baixa em todos os níveis de produção [15], mas as vacas de alta produção tendem a ser inseminadas mais vezes e por mais tempo do que as de baixa produção [16]. O descarte mais precoce de vacas de baixa produção que não emprenham rapidamente gera um conjunto de dados que parece conter um número maior de vacas de alta produção com maior número de inseminações e maior intervalo entre partos.
 

A melhor medida isolada de desempenho reprodutivo geral de um rebanho é a taxa de prenhez (TP), que mede a probabilidade de prenhez das vacas vazias por unidade de tempo [11]. Uma vez que o intervalo entre estros em vacas dura em média de 21 dias, a taxa de prenhez costuma ser calculada a cada 21 dias. Um valor de 15% deve ser interpretado como "em média, 15% das vacas vazias com expectativa de prenhez emprenharam no período de 21 dias". Além disso, a TP permite a comparação entre rebanhos que adotam a inseminação artificial e rebanhos que adotam a monta natural (desde que a data de passagem para a monta natural exclusiva seja documentada). A maior vantagem do emprego da taxa de prenhez de 21 dias é a inclusão das vacas vazias que, enquanto permanecem no rebanho, acrescentam tempo ao denominador, durante o qual a obtenção de prenhez é possível.
 

Métodos de análise da associação
 

Os parâmetros de desempenho reprodutivo dotados de valor econômico incluem a ocorrência de prenhez (ou o descarte devido à ausência de prenhez), o intervalo entre o parto e a prenhez subsequente e, em menor grau, o número de inseminações necessárias para obter a prenhez [14]. A prenhez é um evento dicótomo, o tempo de serviço não costuma ser bem distribuído e o número de inseminações nunca segue uma distribuição normal.
 

O método correto para análise de dados individuais de prenhez é a análise multivariada de sobrevivência [5, 13, 14, 17]. A análise de sobrevivência é uma metodologia estatística que mede o tempo decorrido até um determinado evento, considerando os sujeitos em que o evento de interesse não se verifica, ou que são perdidos durante o período de acompanhamento, chamados de observações censuradas. A análise de sobrevivência pode corrigir parte dos efeitos de confundimento das decisões de atrasar ou interromper a inseminação e de descarte. Ao contrário dos métodos de regressão padrão, informações de todas as vacas podem ser usadas, independente do status de inseminação ou prenhez no final do estudo.
 

A avaliação do impacto de um fator sobre o desempenho reprodutivo pode sofrer grande interferência de fatores individuais ou de rebanho que afetam a reprodução, como idade da vaca, estação do ano, doenças, nutrição, condição corporal, ambiente, manejo do rebanho, intensidade e acuidade de detecção de cio e uso de programas de manejo reprodutivo. Em muitos estudos, a maioria desses fatores não foi mensurada. A maior parte das pesquisas voltadas para a associação entre produção e reprodução emprega em um delineamento experimental transversal ou se baseia em dados longitudinais e retrospectivos. O ponto fraco de estudos observacionais retrospectivos é o uso de dados do histórico, que podem ser confundidos pela diferença entre a alta taxa de descarte de animais de baixa produção e a baixa taxa de descarte de vacas prenhes, independente do nível de produção [16].

Referências
 
1.
Nebel RL, McGillard ML. Interactions of high milk yield and reproductive performance in dairy cows. J Dairy Sci. 1993; 76: 3257-3268. 
2. Lucy MC. Reproductive loss in high-producing dairy cattle: Where will it end? J. Dairy Sci. 2001; 84:1277-1293.
 
3. Butler WR. Review: effect of protein nutrition on ovarian and uterine physiology in dairy cattle. J. Dairy Sci.1998; 81:2533-2539.
 
4. Royal MD, Darwash AO, Flint APF, Webb R, Woolliams JA, Lamming GE. Declining fertility in dairy cattle: changes in traditional and endocrine parameters of fertility. Anim. Sci.2000; 70:487-502.
 
5. Morton JM. Potential bias in observed associations between milk yield and reproductive performance in dairy cows. Proc 11th Intl. Symp. Vet Epidem. Econ. 2006;
 
6. Grohn YT, Rajala-Schultz PJ. Epidemiology of Reproductive Performance in Dairy Cows. Anim. Reprod. Sci.2000; 60-61: 605-614.
 
7. Marti CF, Funk DA. Relationship between production and days open at different levels of herd production. J.Dairy Sci. 1994; 77:1682-1690.
 
8. Kadarmideen HN, Thompson R, Coffey MP, Kossaibati MA. Genetic parameters and evaluations from single- and multiple trait analysis of dairy cow fertility and milk production. Livest. Prod. Sci.2003; 81:183- 195.
 
9. Jamrozik J, Fatehi J, Kistemaker GJ, Schaeffer LR. Estimates of genetic parameters for Canadian Holstein female reproduction traits. J. Dairy Sci. 2005; 88:c2199-2208.
 
10. Pryce JE, Royal MD, Garnsworthy PC, Mao IL. Fertility in the high producing dairy cow. Livest. Prod. Sci.2004; 86:125-135.
 
11. LeBlanc S. Using DHI Records On-farm to Evaluate Reproductive Performance. Adv. Dairy Technol. 2005; 17:319-330.
 
12. Santos JEP, Thatcher WW, Chebel RC, Cerri RLA, Galvao KN. The effect of embryonic death rates in cattleon the efficacy of estrus synchronization programs. Anim Reprod Sci 2004;82-83(SI):513-535.
 
13. Weigel K. Improving the reproductive efficiency of dairy cattle through genetic selection. J. Dairy Sci.2004; 87(E. Suppl.):E86-E92.
 
14. Ferguson JD, Galligan DT. Assessment of Reproductive Efficiency in Dairy Herds. Compend. Cont. Educ. Pract. Vet.2000; 22:S150-S158.
 
15. Grohn YT, Eicker SW, Ducrocq V, Hertl JA. Effect of diseases on the culling of Holstein dairy cows in New York State.
J. Dairy Sci. 1998; 81(4): 966-978 XVI Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos - 2012 
http://www.fca.unesp.br/conapecjr

Alta produção de leite é compatível com boa reprodução? Parte 3


Fisiologia da vaca e práticas de manejo
 

A questão central é se o aumento ou os "altos" níveis de produção de leite necessariamente ou definitivamente causa queda da fertilidade, ou se o aumento da capacidade produtiva aumenta as necessidades metabólicas e de manejo, que podem não ser satisfeitas em todos os casos. O balanço energético negativo (BEN) ocorre no pós-parto quando as vacas não consomem alimento suficiente para sustentar o estímulo da produção de leite. Praticamente todas as vacas sofrem algum grau de BEN no início da lactação. A duração e a gravidade do BEN pós-parto, essencialmente o momento de que a vaca atinge o ponto mínimo, tem relação com o momento de ocorrência da primeira ovulação [18]. As vacas de maior produção não são necessariamente as que apresentam BEN mais grave ou prolongado, nem a maior perda condição corporal [2]. Ao contrário, o mais provável é que as vacas de maior produção sejam as com maior consumo alimentar pós-parto, portanto não as que apresentam o maior déficit energético. O intervalo até o início da atividade lútea após o parto difere pouco entre vacas geneticamente selecionadas para maior ou menor produção de leite (aproximadamente 30 contra 23 dias, respectivamente) [19].
 

Por outro lado, vacas de maior produção podem ser expostas a desafios maiores de pelo menos alguns aspectos da função reprodutiva. O maior consumo alimentar, característico da maior produção, aumenta o fluxo sanguíneo hepático e o catabolismo de hormônios esteróide, aumentando a velocidade de eliminação da progesterona e do estradiol, que se reflete em menores concentrações circulantes [20, 21]. A queda das concentrações circulantes de esteroides sexuais pode afetar a fisiologia reprodutiva em vários níveis. Conforme demonstrado pelo mesmo grupo de pesquisa [20, 21], vacas de maior produção (46 contra 34 kg/dia próximo aos 94 dias de lactação) apresentaram estro mais curto, comportamento de monta menos frequente e, apesar de folículos ovulatórios maiores, concentrações plasmáticas mais baixas de estradiol [22].
 

Fetrow e Eicker [23] destacam a escassez de dados disponíveis para embasar a ideia de que vacas de alta produção sejam negativamente afetadas pela produção de leite. Ao contrário, a única forma de se obter e manter altos níveis de produção de leite é satisfazer as necessidades nutricionais e comportamentais das vacas. Fatores de estresse como doença, calor, acesso limitado à ração, fornecimento insuficiente de nutrientes, falta de espaço de descanso suficiente e má ventilação reduzem a produção de leite e a sua eliminação aproxima a vaca do seu potencial genético. Entretanto, alguns acreditam que vacas que produzem grande quantidade de leite operam próximo ao seu limite. Vacas manejadas da forma adequada e cujas necessidades são satisfeitas da melhor forma possível, atingem a capacidade produtiva máxima porque as necessidades determinadas pela produção são supridas. Os efeitos da produção de leite não podem ser considerados os únicos responsáveis pela piora do estado de saúde, com prejuízo do desempenho reprodutivo. Ao contrário, o bom estado de saúde e o manejo voltado para a sua obtenção são pré-requisitos tanto para a boa produção como para a boa reprodução [1].

Dados de rebanho
 

Lucy [2] publicou um resumo dos dados documentados através do sistema de registro DHI dos Estados Unidos, referentes a 143 rebanhos inscritos no programa entre 1970 e 2000. A produção média móvel dos rebanhos aumentou de aproximadamente 6500 kg para quase 9000 kg de leite por lactação. No mesmo intervalo, o número de serviço por concepção aumentou de aproximadamente 1,75 para 3, com aumento do intervalo entre partos de um pouco abaixo de 13,5 meses para 14,8 meses. Embora os mesmos rebanhos tenham sido acompanhados ao longo do tempo, o manejo, as instalações e a tecnologia certamente sofreram alterações e os rebanhos podem ter sido expostos a outros fatores de confundimento das observações, que não foram considerados. É possível que inferências baseadas em um grupo desse porte sejam precisas, mas não é necessariamente verdade que os animais de maior produção do grupo tenham apresentado pior desempenho reprodutivo. Butler [24] mostrou uma relação aparentemente antagônica entre taxa de concepção (TC) e produção de leite por vaca ao longo de 50 anos. Entretanto, a TC não foi quantificada da mesma forma. A TC de 66% documentada em 1951 se refere apenas à primeira IA [25] e, embora tenha sido considerada diferente da taxa de não retorno (e 2,6% menor), a maneira como a TC foi usada não está clara. Em [24], os dados considerados em 1975 foram bezerro vivo, aborto e prenhez confirmada por exame ou ausência de cio nos 100 dias após o serviço [26], mas as medidas e dados usados para estimativa das taxas de concepção de 1996 e 2001 não foram descritos nosestudos [3, 24], embora seja provável que a TC tenha sido baseada no diagnóstico de prenhez.
 

Stevenson [27] publicou dados transversais resumidos de 1,2 milhões de vacas Holstein de 9.684 rebanhos e de 50.000 vacas Jersey de 546 rebanhos. Em média, os rebanhos de produção mais alta eram maiores. Conforme a produção média móvel de leite passou de menos de 6.800 kg para mais de 11.300 kg, o tempo de serviço caiu de 195 para 156 dias, o intervalo até o primeiro serviço passou de 102 para 94 dias, o número de serviços por concepção aumentou de 1,8 para 2,2 e a eficiência na detecção do cio passou de 19 para 41%. Os resultados sugerem que o melhor desempenho reprodutivo dos rebanhos de maior produção seja reflexo da melhor nutrição, da melhor saúde das vacas e do melhor manejo reprodutivo.
 

Dados individuais
 

Lopez-Gatuis et al. [28] avaliaram 2.756 prenhezes em dois rebanhos de alta produção (mais de 11.700 kg/ano) da Espanha e observaram que as vacas que estavam prenhes aos 90 dias de lactação produziram média de 49.5 kg/dia de leite, contra 43,2 kg/dia das vacas que emprenharam mais tarde, considerando os efeitos da parição e da retenção de placenta. A potência do estudo teria sido maior se a probabilidade e o momento de ocorrência da prenhez de todas as vacas tivessem sido incluídos, em vez de dicotomizar os dados de momento prenhez somente entre vacas prenhes. Mesmo assim, o estudo salienta a necessidade de considerar a ordenação cronológica das etapas percorridas até a prenhez. Tais dados sustentam a hipótese de que vacas sadias produzem mais leite (na opinião de alguns, manifestando seu potencial genético de forma mais plena) e emprenham mais cedo do que vacas em pior estado de saúde. Em outras palavras, a seleção para menor produção não levaria à melhora da reprodução; em contrapartida, o manejo voltado para a melhora da saúde poderia levar ao aumento tanto da produção quanto da taxa de prenhez.
 

Os resultados de um estudo baseado em análise de sobrevivência realizado em Nova Iorque também não mostraram associação significante entre produção de leite de 60 dias e taxa de prenhez [16]. O risco de descarte foi maior nas vacas vazias. A alta produção de leite, a idade mais avançada e o parto no inverno foram apontados como fatores de risco para diversas doenças reprodutivas que, por sua vez, atrasaram a inseminação e a concepção. A produção acumulada de 60 dias não teve efeito sobre o intervalo até a prenhez, embora vacas no quartil superior da produção de 60 dias (2541 kg) tenham apresentado taxa de prenhez um pouco mais baixa do que vacas no quartil inferior, sem significância estatística. A doença do trato reprodutivo (retenção de placenta e metrite) teve maior efeito sobre o intervalo até a prenhez do que o nível de produção no início da lactação.
 

Recentemente, Madouasse et al (2010) [29] desenvolveram um modelo de componentes do leite e produção de leite no início da lactação para prever a probabilidade de prenhez em intervalos variando entre 20 e 145 de lactação e observaram associações mistas entre volume e componentes do leite e prenhez. Por exemplo, a produção de leite na primeira avaliação da lactação não teve relação com a prenhez, mas o maior volume de leite na segunda avaliação mostrou relação com a redução da probabilidade de prenhez aos 145 dias de lactação; o teor de proteína na segunda avaliação (e, em menor grau, na primeira avaliação) teve relação com o aumento da probabilidade de prenhez.
 

Abordagens novas e sofisticadas de modelagem da associação entre produção e reprodução (resumidas em Stevenson e Bello, 2011 [30]) destacam que tal associação pode diferir em situações de rebanho (geralmente positiva para mensurações de lactação plena) e individuais (negativa para a análise correspondente). Entretanto, existem outras heterogeneidades envolvidas nas relações entre rebanhos, práticas de manejo (ordenha duas a três vezes por dia; uso de rBST) e regiões (mesmo dentro do mesmo Estado nos EUA).
 

Pesquisas sobre o assunto da Universidade de Guelph, Canada

Stephen LeBlanc e colaboradores mediram a relação entre o nível de produção de leite e o desempenho reprodutivo em vacas leiteiras canadenses, tanto no nível individual como no nível de rebanho, com base em uma amostra grande e representativa dos registros de prenhez e empregando técnicas analíticas válidas. Os resultados [31] estão resumidos abaixo.
 

Os dados completos de IA e prenhez de 3.297 rebanhos, referentes ao ano de 2005, estavam disponíveis e foram somados a dados de tamanho do rebanho, demografia, produção, frequência de ordenha e tipo de alojamento. As médias anuais (DP) de taxa de prenhez de 21 dias (TP), taxa de inseminação (TI) e taxa de concepção (TC) do rebanho foram de 12,5 (4,7), 33,9 (10,5) e 37,2 (9,9), respectivamente. A TP do rebanho foi modelada empregando-se regressão linear mista, com efeito aleatório do rebanho. Considerando-se tamanho do rebanho, distribuição da parição, raça e alojamento, cada 1000 kg de aumento da média de leite do rebanho foi associado a aumento de 0,7 pontos da TP (P < 0,0001).
 

Os dados individuais de 103.060 vacas Holstein de 2.076 rebanhos (pelo menos dos três primeiros dias de avaliação) estavam disponíveis. Os intervalos até a primeira inseminação foram modelados por análise de sobrevivência, com efeito aleatório do rebanho. A produção foi descrita por kg de leite e projeções de 305 dias de acordo com os registros dos três primeiros dias de avaliação, e registros de 305 dias de lactação avançada, todos mostrando uma associação univariável com menor intervalo até a prenhez. Não houve associação entre produção de leite no primeiro dia de avaliação e intervalo até a primeira IA. Uma análise à parte considerou a produção de leite referente a vacas do mesmo rebanho, classificando cada vaca em quartis intra-rebanho de produção no primeiro dia de avaliação. As vacas no quartil intra-rebanho superior de produção no início da lactação foram inseminadas um pouco mais cedo e emprenharam um pouco mais cedo do que as vacas no quartil inferior de produção. De forma geral, independente da medida, as vacas de produção mais alta emprenharam alguns dias antes das vacas de produção mais baixa. Tais associações devem ser esperadas quando a boa nutrição, o conforto da vaca e o manejo cuidadoso garantem as condições necessárias para alta produção e bom desempenho reprodutivo.
 

Resumindo, a taxa de prenhez do rebanho foi significantemente mais alta nos rebanhos de maior produção, observando-se pequenos efeitos do nível de produção sobre o intervalo até a prenhez no nível individual. Os resultados sugerem que o manejo voltado para a alta produção é compatível com o bom desempenho reprodutivo.
 

Conclusão
 

Não se sabe se a taxa de prenhez está caindo na população de gado leiteiro e faltam dados para quantificar e começar a qualificar o desempenho ao longo do tempo. O desempenho reprodutivo não deve ser mensurado com base apenas no risco de concepção e os dados disponíveis referentes à associação entre produção de leite e taxa de prenhez são conflitantes. A possibilidade de que as necessidades metabólicas da produção e da reprodução estejam chegando a um limite biológico ou de manejo e de que os critérios empregados na seleção genética para fertilidade não sejam ideais são pontos importantes, que justificam estudos novos estudos.
 

Referências 
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http://www.fca.unesp.br/conapecjr

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