quarta-feira, 9 de maio de 2012

PRIORIZAÇÃO DE NUTRIENTES PÓS-PARTO

Priorização de Nutrientes em Vacas Leiteiras no Pós-Parto Imediato: Discrepância entre Metabolismo e Fertilidade? Parte-1 Este texto é parte da palestra apresentada por Joe Leroy, no XIII Curso de Novos Enfoques na Reprodução e Produção de Bovinos, realizado em Uberlândia em março de 2009. Resumo Cientistas de todo o mundo têm relatado há várias décadas a redução na fertilidade de vacas leiteiras de alta produção, provavelmente resultante do conflito entre as necessidades metabólicas e reprodutivas. O sucesso obtido com o aumento da produção de leite dos rebanhos foi acompanhado por tendências negativas dos parâmetros reprodutivos mais perceptíveis, tais como intervalo entre partos, número de dias abertos e número de inseminações por prenhez. Em paralelo, muitos grupos de pesquisa estudaram os fatores metabólicos e endócrinos que influenciam o crescimento folicular e a competência de ovócitos e embriões. No passado, especialistas em reprodução procuravam resolver estes problemas, porém com recursos limitados. Mais recentemente, a situação melhorou significativamente e nutricionistas e veterinários conduzem pesquisas em equipes multidisciplinares. Este trabalho de revisão discute inicialmente a priorização da utilização de nutrientes para o úbere para garantir a produção de leite e descreve as interações entre o eixo somatotrófico e gonadotrófico. Em seguida, discute as consequências do balanço energético negativo sobre o crescimento folicular e qualidade do ambiente do ovócito e do embrião, resumindo as hipóteses atualmente aceitas com base em evidências científicas em nível folicular. A discussão considera uma questão básica: a discrepância existente entre metabolismo e fertilidade e o que se pode fazer, em base nos dados científicos, para resolver o problema do baixo nível de fertilidade dos rebanhos leiteiros? Introdução O baixo desempenho reprodutivo em rebanhos leiteiros de alta produção é um problema global, caracterizado como multifatorial e que exigiu uma abordagem multidisciplinar, em que cientistas, veterinários e biólogos moleculares desvendaram em conjunto a complexa patogenia desta ‘síndrome da sub-fertilidade’. Afinal, a produção de um bezerro em intervalos regulares é considerada um pré-requisito para um desempenho rentável de lactação (Royal et al. 2000; Huirne et al. 2002). Depois do parto, o processo de emprenhar novamente nas vacas leiteiras é iniciado com a eliminação do conteúdo e posterior involução uterina, com retomada posterior da atividade ovariana. O resultado é o crescimento de um folículo saudável, contendo um ovócito competente, manifestação do estro, ovulação, fertilização e implantação de um embrião viável no útero. Qualquer distúrbio destes eventos biológicos e mecânicos balanceados e delicadamente sintonizados resulta em falha reprodutiva – exatamente o que tem acontecido com nossos modernos rebanhos leiteiros. A síndrome da subfertilidade pode ser dividida em dois principais subproblemas. Em primeiro lugar, até 50% das modernas vacas leiteiras apresentam ciclos estrais pósparto anormais, resultando em intervalos prolongados entre parto e primeira inseminação (Opsomer et al. 1998). Neste contexto, as pesquisas se concentraram especialmente na instabilidade do eixo hipotalâmico–pituitário–ovariano–uterino (Lucy 2001; Butler 2003). A redução concomitante na expressão do estro ou até mesmo anestro, formação de cistos e atraso na primeira ovulação foram extensamente documentados (Beam e Butler 1997; de Vries e Veerkamp 2000; Lopez et al. 2004; Vanholder et al. 2006a). Em segundo lugar, deu-se atenção às baixíssimas taxas de concepção (Bousquet et al. 2004) e à crescente incidência de mortalidade embrionária precoce (Dunne et al. 1999; Mann e Lamming 2001; Bilodeau-Goeseels e Kastelic 2003). A fertilização dos ovócitos de vacas de alto mérito genético resulta em produções significativamente menores de blastocistos in vitro, independentemente do nível de produção de leite (Snijders et al. 2000). A qualidade dos embriões também é afetada em vacas leiteiras de alta produção, se comparadas a vacas que não estejam em lactação (Wiltbank et al. 2001; Leroy et al. 2005a). Vacas em lactação apresentam número muito mais elevado de embriões não viáveis se comparadas a vacas não lactantes (Sartori et al. 2002). Aproximadamente 70–80% do total de perdas embrionárias e fetais corre tipicamente durante o período embrionário precoce, pré-implantação (Santos et al. 2004a). As vacas leiteiras modernas, embora subférteis, produzem enormes quantidades de leite, principalmente devido à combinação de melhoramento genético e manejo nutricional otimizado para a lactação. Em base na fertilidade de novilhas, mantida praticamente inalterada, podemos concluir que os processos reprodutivos das modernas vacas leiteiras são essencialmente normais quando não existem as demandas da lactação (Lucy 2007). Por que o organismo destas vacas dá prioridade para a produção de leite em detrimento da eficiência reprodutiva? Nesta revisão, procura-se responder a esta pergunta. O alto rendimento leiteiro e a boa fertilidade têm interesses conflitantes em termos metabólicos? Da Priorização de Nutrientes Determinada Filogeneticamente à Geneticamente Influenciada: Consequências Metabólicas Do ponto de vista biológico, faz sentido que os mamíferos favoreçam a lactação na fase inicial, em detrimento da fertilidade: a isto damos o nome de priorização de nutrientes (Lucy 2003). À medida que há escassez de disponibilidade de nutrientes, a fêmea em lactação investe preferencialmente estes recursos limitados na sobrevida de sua progênie, ao invés de apostar em um ovócito que ainda nem foi ovulado ou fertilizado e necessitará de cuidados durante toda a gestação. Este mecanismo de catabolismo materno, geneticamente programado, deve maximizar a probabilidade de sobrevida do recém-nascido (Silvia 2003). Ao longo dos últimos 40 anos, o foco da indústria de produção leiteira foi a maximização do rendimento leiteiro, criando uma ‘via expressa de nutrientes’ da dieta e reservas corporais (estimadas em 74% de gordura e 6% de proteína corporal: Tamminga et al. 1997) diretamente para o úbere para manter a produção de leite. As necessidades de nutrientes do útero grávido em fase final de gestação fazem com que a vaca leiteira entre em estado catabólico. Depois do parto, ocorre uma demanda adicional por glicose, ácidos graxos e proteína quando se inicia a produção de leite. Durante este período de transição, as vacas são incapazes de compensar este aumento da demanda por energia através do aumento do consumo de ração e ocorre o balanço energético negativo (BEN). As concentrações de insulina drasticamente reduzidas resultam em mobilização de energia e distribuição para o úbere. A hipoinsulinemia promove a gliconeogênese no fígado (até 4 kg de glicose diariamente) e atua como potente gatilho lipolítico. Os ácidos graxos não esterificados (AGNEs) mobilizados atuam como fonte alternativa de energia para outros tecidos para poupar a glicose, preferencialmente utilizada pela glândula mamária para produzir lactose (Vernon 2002). Os AGNEs são predominantemente transportados para o fígado onde sofrem oxidação para fornecer energia ou são transformados em corpos cetônicos, para serem utilizados como fonte alternativa de energia em outros locais do organismo. Uma sobrecarga anormal do fígado por AGNEs pode induzir esteatose e alteração da função hepática (Herdt 2000). As lipases ativadas por hormônios do tecido adiposo de vacas leiteiras de alta produção têm maior sensibilidade a estímulos lipolíticos (tais como baixas concentrações de insulina e altos níveis de catecolaminas ou glicocorticóides). Em outras palavras, vacas leiteiras de alta produção foram geneticamente selecionadas para direcionarem uma fração ainda maior de suas reservas de energia para a produção de leite (Coffey et al. 2004). Desta forma, um nível mais elevado de ingestão de energia resulta em produção mais elevada de leite, mas com a manutenção do desequilíbrio energético, sem nenhum efeito benéfico sobre o escore de condição corporal (ECC) (Patton et al. 2006). Uma série de mecanismos biológicos resulta em priorização dos nutrientes para a produção de leite em detrimento das reservas corporais no período do pósparto imediato. Em primeiro lugar, o úbere é beneficiado, pois não necessita de insulina para facilitar a captação de glicose nas células pelas moléculas de transporte de glicose, GLUT 1 e 3, enquanto a maior parte dos demais tecidos expressa predominantemente a GLUT 4, insulina-dependente (Zhao et al. 1996). Em segundo lugar, com o auxílio de testes intravenosos seriados de tolerância à glicose, observamos recentemente uma supressão temporária da função pancreática no período pósparto imediato de vacas leiteiras de alta produção e que foi correlacionada a elevadas contrações de AGNEs (Bossaert et al. 2007). In vitro, altos níveis de AGNEs têm efeitos tóxicos sobre as células pancreáticas (Cnop et al. 2001; Maedler et al. 2001). Em terceiro lugar, as baixas concentrações de insulina imediatamente após o parto inativam o eixo do hormônio do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I) no fígado devido à infrarregulação dos receptores 1A de GH – este mecanismo pode ser restaurado pela elevação das concentrações de insulina (Butler et al. 2003). À medida que a produção hepática de IGF-I é suprimida, o feedback negativo do IGF-I é removido no hipotálamo ⁄ hipófise e as concentrações de GH se elevam. Altas concentrações de GH não só estimulam a produção de leite como também ativam a gliconeogenêse hepática e a lipólise nos adipócitos. As altas concentrações séricas resultantes de AGNEs e GH antagonizam a ação da insulina e criam um estado mais intenso de resistência periférica à insulina (Lucy 2007; Pires et al. 2007). Desta forma, ainda mais glicose é preservada para estar disponível para a síntese de lactose. Vacas mais gordas tendem a mobilizar mais gordura corporal devido ao apetite reduzido (Garnsworthy e Topps 1982). Aceita-se amplamente que a seleção genética para produção de leite resulta em maior perda de ECC, comprovando que há mais direcionamento de energia para o úbere (Roche et al. 2006). Uma perda excessiva de ECC durante o período de transição é um importante fator predisponente para distúrbios de fertilidade e problemas de saúde (Roche et al. 2007), o que enfatiza a importância do monitoramento do ECC no período pósparto imediato como ferramenta de manejo (Chagas et al. 2007). Interações entre os Eixos Somatotrófico e Gonadotrófico Extensas pesquisas científicas demonstraram que os mecanismos que regulam a distribuição de energia e nutrientes no sistema somatotrófico podem afetar o sistema reprodutivo em diferentes níveis do eixo hipotalâmico–pituitário–ovariano (Roche 2006; Chagas et al. 2007). No hipotálamo, as interações entre os sistemas gonadotrófico e somatotrófico podem ocorrer na área pré-óptica (Blache et al. 2006, 2007). Esta região produz os hormônios de liberação que controlam tanto a secreção de gonadotrofinas quanto de somatotrofinas (Kacsoh 2000). Além disso, desempenha um papel crítico na integração do apetite (Wynne et al. 2005), comportamento estral (Pfaff 2005) e a percepção do estado nutricional (Wade e Jones 2004). Consequentemente, as informações metabólicas no hipotálamo podem ter efeitos divergentes sobre os eixos gonadotrófico e somatotrófico, ou seja, o estímulo da produção de GH pode ser acompanhada pela inibição da secreção de GnRH (Zieba et al. 2005). Os hormônios ⁄ metabólitos que exercem função de sinalização são glicose e insulina. Baixos teores pósparto de insulina e glicemia reduzida suprimem a secreção hipotalâmica de GnRH e posterior liberação de LH pela hipófise (Diskin et al. 2003; Ohkura et al. 2004). Ao ativar neurônios específicos no pró-encéfalo, peptídeos tais como o neuropeptídeo Y e catecolaminas são liberados, suprimindo o gerador hipotalâmico de pulsos de GnRH (Ichimaru et al. 2001; Diskin et al. 2003; Wade e Jones 2004). Outros sinais metabólicos podem envolver leptina e AGNEs, embora seu papel ainda não tenha sido esclarecido (Liefers et al. 2003; Wade e Jones 2004; Amstalden et al. 2005). No ovário desenvolvimento folicular parece ser diretamente influenciado por alterações de níveis de insulina, IGF-I, leptina e AGNEs. Como a insulina estimula localmente o crescimento e a maturação folicular e esteroidogênese, a redução das concentrações no período pósparto estão correlacionadas à disfunção ovariana (Gutierrez-Aguilar 1997; Landau et al. 2000; Armstrong et al. 2002a; Butler et al. 2004; Vanholder et al. 2005a; Kawashima et al. 2007). O tratamento de longo prazo com somatotropina bovina exógena claramente eleva o número de pequenos folículos (Bols et al. 1998). Gong (2002) demonstrou que os efeitos benéficos da insulina sobre a função ovariana são independentes das variações de liberação de GnRH⁄LH. Nas células ovarianas, as GLUT-1 e GLUT-3 insulina-independentes são os principais transportadores de glicose, enquanto a GLUT-4 insulina-dependente somente desempenha um papel de suporte (Nishimoto et al. 2006). Desta forma, a insulina pode exercer seus efeitos através de outros mecanismos que não a mediação da captação de glicose. Além da insulina, o sistema IGF também desempenha papel importante no crescimento e desenvolvimento folicular ao atuar diretamente sobre as células ovarianas (Spicer e Echternkamp 1995; Gutierrez-Aguilar 1997; Beam e Butler 1999; Webb et al. 1999; Gong 2002). Consequentemente, baixos níveis circulantes de IGF-1 influenciam negativamente a retomada da atividade ovariana pósparto e parecem estar envolvidos no desenvolvimento de folículos ovarianos císticos (Beam e Butler 1997; Kawashima et al. 2007; Ortega et al. 2007). Os efeitos da leptina sobre a esteroidogênese e proliferação celular são dependentes das concentrações séricas de IGF-1, LH e insulina (Spicer e Francisco 1997, 1998; Spicer et al. 2000). No ovário os AGNEs podem afetar o crescimento e desenvolvimento folicular ao atuarem diretamente sobre as células do folículo. A adição in vitro de AGNEs em concentrações medidas no fluido folicular (FF) durante o BEN (balanço energético negativo) tem efeitos negativos sobre a viabilidade e função de células foliculares (Leroy et al. 2005b; Vanholder et al. 2005b, 2006b). Em conclusão, as alterações metabólicas induzidas pelo sistema somatotrófico para sustentar altos níveis de rendimento leiteiro também afetam o sistema reprodutivo. Ao atuar em diferentes níveis do eixo hipotalâmico–pituitário–ovariano, níveis alterados de hormônios e metabólitos exercem efeito negativo sobre o crescimento e desenvolvimento de folículos e provavelmente sobre a ovulação. Consequências para a Qualidade do Ovócito Os pesquisadores supõem a existência de um efeito residual (carry-over effect) das condições metabólicas adversas durante o crescimento de folículos primários no período pósparto imediato sobre a saúde do folículo préovulatório, 2–3 meses depois (Britt 1992). Tais folículos podem ser menos capazes de produzir níveis adequados de estrógenos e progesterona (depois da ovulação) e podem estar destinados a conter um ovócito de qualidade inferior (Britt 1992; Roth et al. 2001a). A capacidade de desenvolvimento do ovócito está intimamente ligada à fase de crescimento e à saúde do folículo em desenvolvimento (Bilodeau-Goeseels e Panich 2002; Sutton et al. 2003; Lequarre et al. 2005). Finalmente, a composição da dieta também pode alterar o microambiente endócrino e metabólico do ovócito em desenvolvimento (Boland et al. 2001; McEvoy et al. 2001; Kenny et al. 2002). Um ambiente endócrino alterado, devido ou em consequência de BEN pode alterar a qualidade do ovócito através de uma série de mecanismos, tais como atraso do crescimento folicular e da retomada da progressão da meiose, todos já objeto de revisões anteriores detalhadas (Leroy et al. 2007). Somente poucos estudos examinaram os efeitos possíveis sobre a qualidade do ovócito das baixas concentrações de glicose ou da elevação dos níveis de -hidroxibutirato (-OHB) ou AGNEs associados ao BEN. Além dos efeitos indiretos da hipoglicemia nas vacas recémparidas (através de um efeito sobre a secreção de LH ou responsividade ovariana às gonadotrofinas), as condições de hipoglicemia (como cetose clínica) se refletem no microambiente do ovócito préovulatório e podem comprometer sua capacidade de desenvolvimento, pois a glicose é uma molécula indispensável para uma maturação adequada do ovócito (Bilodeau-Goeseels 2006; consultar revisão de Sutton et al. 2003; Leroy et al. 2004, 2006). Kruip e Kemp (1999) sugeriram possíveis efeitos tóxicos diretos de altos níveis de AGNEs no ovario. Em um modelo da maturação in vitro, ácidos graxos de cadeia longa saturados reduziram as taxas de maturação, fertilização, clivagem e formação de blastocistos. Apoptose ou mesmo necrose das células do cúmulo ocorridas durante a maturação poderiam explicar estes efeitos (Leroy et al. 2005b). Finalmente, concentrações elevadas de amônia e uréia no FF, decorrentes de uma dieta desequilibrada e catabolismo de proteínas também se mostraram tóxicas para o ovócito (Sinclair et al. 2000; De Wit et al. 2001; Leroy et al. 2004). Fase Inicial da Gestação em Vacas Leiteiras de Alta Produção: Qualidade do Embrião A mortalidade embrionária precoce é a principal causa de falha reprodutiva em vacas de leite, representando até 80% das perdas totais de gestação (Santos et al. 2004a). Existem quatro principais fatores que afetam a qualidade do embrião no caso específico de vacas leiteiras de alta produção: qualidade dos gametas, qualidade do corpo lúteo combinada à concentração de progesterona circulante, involução uterina e nutrição. Entretanto, somente discutiremos os fatores relacionados ao BEN. Condições préovulatórias adversas, como BEN, podem ter efeitos residuais (carry-over effects) sobre o metabolismo e viabilidade embrionária, resultando em mortalidade precoce (Yaakub et al. 1999; Lozano et al. 2003; Rhoads et al. 2006). Pode ser bastante difícil separar os efeitos do ovócito das influências pósfertilização sobre a qualidade do embrião. Somente embriões de pelo menos 6 dias de idade podem ser transferidos para receptoras para avaliar o impacto do ambiente uterino sobre a qualidade do embrião. Lucy (2007) defende a idéia de que a fertilidade pode ser melhorada em vacas leiteiras através da transferência de embriões, evitando assim os efeitos do período do ovócito e desenvolvimento embrionário precoce. Concentrações bem sincronizadas e balanceadas de progesterona são vitais para a viabilidade do zigoto imediatamente após a fertilização, uma vez que a progesterona modula as secreções endometriais, otimizando a receptividade uterina (McEvoy et al. 1995). Já foi levantada a hipótese de que os resultados decepcionantes em termos de taxas de concepção e prenhez em vacas leiteiras modernas são parcialmente decorrentes do atraso para a elevação dos níveis de progesterona e concentrações subótimas de progesterona durante a fase lútea (Mann e Lamming 2001). Além disso, o típico BEN observado no período pósparto imediato pode reduzir o número de ciclos estrais ovulatórios que antecedem a IA, impedindo que ocorra uma preparação adequada do útero (Butler 2003). Villa-Godoy et al. (1988) demonstraram que vacas em BEN pósparto apresentavam concentrações mais baixas de progesterona durante os três primeiros ciclos após a parição. Apesar de maiores volumes de tecido luteal que em novilhas não lactantes, os níveis máximos de progesterona em vacas em lactação são inferiores, possivelmente devido a maior taxa de degradação hepática do hormônio (Sangsritavong et al. 2002; Sartori et al. 2004; Wiltbank et al. 2006). A boa involução uterina pós-parto, com reparo do endométrio e esvaziamento de conteúdos contaminados por bactérias, é de fundamental importância para o desempenho reprodutivo (para revisão, ver Roche et al. 2006). Devido aos efeitos na supressão da resposta imunológica, BEN pode retardar dramaticamente este processo, comprometendo a fertilidade futura (Wathes et al. 2007). Além do interesse nas consequências do BEN e desequilíbrios endócrinos e metabólicos associados, o foco também está sendo direcionado para o efeito das dietas que promovem alto rendimento leiteiro, ricas em energia e proteína (consultar revisão de Leroy et al. 2007). Estes estudos nos indicam que condições nutricionais ideais para crescimento folicular e ovulação não são compatíveis com a sobrevida embrionária e manutenção da prenhez (O’Callaghan e Boland 1999). Finalmente, o estresse calórico pode levar à redução no consumo de matéria seca, prolongando o período em BEN, reduzindo as concentrações plasmáticas de insulina, glicose e IGF-I e promovendo a manutenção de altas concentrações de GH e AGNEs (Drew 1999; Butler 2001). Além disso, existe o efeito direto do estresse calórico sobre os níveis plasmáticos de FSH (elevação) e estradiol (redução) (Wolfenson et al. 1997; Wilson et al. 1998). O resultado é fraca expressão de estro e seleção tardia do folículo, o que potencialmente afeta negativamente a qualidade do ovócito (Roth et al. 2001a,b). Além disso, o estresse calórico pode elevar a temperatura uterina ao reduzir a irrigação sanguínea do útero. Estas alterações inibem o desenvolvimento embrionário (Rivera e Hansen 2001), promovem maior perda embrionária precoce e reduzem a porcentagem de inseminações bem sucedidas (Garcia-Ispierto et al. 2007). O impacto do efeito do calor é reduzido à medida que o embrião se desenvolve (Paula-Lopes et al. 2003). Todos os fatores acima descritos, que potencialmente afetam a fertilidade, estão representados no diagrama da Figura 1. Editar figura Fig. 1. Interação entre seleção genética para produção de leite e fertilidade. A combinação das variações endócrinas e metabólicas para dar suporte à produção de leite com maior suscetibilidade ao estresse calórico, doenças e condições sub-ótimas de manejo tem efeito negativo sobre o desempenho reprodutivo da vaca leiteira de alta produção. PRIORITIZAÇÃO DE NUTRIENTES : Depleção geneticamente determinada das reservas corporais Prioridade genética para características de produção de leite Valor genético para fertilidade Maior suscetibilidade a: Doenças metabólicas/infecciosas Estresse calórico Manejo subótimo: Dieta Alojamento Tamanho de rebanho Mão de obra por animal Detecção de estro FERTILIDADE Eixo hipotalâmico-pituitário-ovariano Qualidade de ovócito/embrião Qualidade do corpo lúteo Ambiente no folículo, oviduto, útero ADAPTAÇÕES METABÓLICAS PARA ESTADO CATABÓLICO BEN, perda de ECC, apetite reduzido Baixos níveis de insulina, IGF-I, alto nível de GH Baixo nível de leptina Altos níveis de AGNEs, corpos cetônicos, uréia, Baixa glicemia Resistência periférica à insulina Efeitos diretos ou residuais Algumas Dicas para a Modificação do Eixo Somatotrófico para a Obtenção de Resultados Aceitáveis de Fertilidade Atacar o problema multifatorial da subfertilidade em vacas leiteiras é um enorme desafio, uma vez que as alterações ‘no eixo somatotrófico’ acima descritas não são os únicos fatores para o declínio da fertilidade. Fatores de manejo, tipos de sistemas de produção, maior suscetibilidade a doenças, aumento do número de animais nos rebanhos leiteiros e baixa disponibilidade de mão de obra interferem com a capacidade de procriação da vaca leiteira (Mallard et al. 1998). Todos estes fatores devem ser cuidadosamente considerados quando se estabelece um plano de manejo, mas estão além do escopo deste trabalho. Os distúrbios metabólicos (hipocalcemia, cetose e acidose) e doenças infecciosas durante o puerpério são fatores de risco que podem afetar a eficiência do desempenho reprodutivo (Grohn e Rajala-Schultz 2000; Santos et al. 2004b). Bom manejo de parição e cuidadosa observação do estado de saúde da vaca na fase de pósparto imediato são vitais para evitar reduções muito drásticas do apetite do animal. Determinações precisas e repetidas do ECC para estimar a variação nas reservas corporais são fundamentais. Para minimizar as variações de ECC e evitar a ‘exaustão das reservas de energia’ logo após o parto é necessária uma estratégia nutricional ideal, com redução do consumo de energia durante as primeiras semanas do período seco seguida de maior fornecimento de energia (carboidratos) logo antes do parto (consultar revisão de Overton e Waldron 2004). Entretanto, ainda há discussão quanto ao real benefício obtido com a energia adicional préparto sobre o balanço energético pósparto (Grummer 2007). Além disso, modulação adequada da energia da dieta durante o período pósparto imediato parece uma abordagem promissora, embora difícil (Grummer 2007). Van Knegsel et al. (2007a) compararam os efeitos de uma dieta isocalórica e isonitrogenada, uma dieta basicamente glicogênica (amido by-pass) ou uma dieta basicamente lipogênica (polpa de beterraba, MEGALAC e óleo de palma) e demonstraram que a dieta glicogênica (ou ‘insulinogênica’) estimula o direcionamento de energia principalmente para as reservas corporais em fase inicial de lactação. As vacas alimentadas com a dieta glicogênica apresentaram menor BEN e menor mobilização de gordura corporal, que resultou em depressão dos teores de gordura do leite e menor direcionamento de energia para o leite (Van Knegsel et al. 2007a). Em um estudo complementar (Van Knegsel et al. 2007b), vacas multíparas alimentadas com a dieta glicogênica também apresentaram concentrações plasmáticas de insulina mais elevadas e tenderam a retomar mais precocemente a atividade ovariana (20,4 ± 2,1 dias) se comparadas a vacas alimentadas com a dieta mais lipogênica (26,1 ± 2,1 dias). Acredita-se que alterações de manejo tem grande probabilidade de ter efeito positivo sobre o balanço energético. O encurtamento ou mesmo eliminação do período seco melhora o consumo de material seca no periparto, reduz a produção de leite na fase inicial da lactação, melhora o balanço energético e reduz o número de dias pósparto até a retomada da atividade ovariana (Gumen et al. 2005; Rastani et al. 2005). Além disso, mais atenção tem sido dada ao teor de ácidos graxos na dieta e à composição da suplementação de gorduras by-pass durante o período pósparto imediato. Não quanto ao efeito sobre o balanço energético em si, mas à melhora da secreção de esteróides e alteração do perfil de ácidos graxos (mais ácidos graxos -3 poliinsaturados), resultando em modificação do metabolismo de prostaglandinas (Thatcher et al. 2006). A supressão da síntese da gordura do leite através da suplementação de ácidos linolênicos conjugados protegidos da ação ruminal (trans-10, cis-12) já foi sugerida como meio de restringir a perda de energia através do leite (Castaneda-Gutierrez et al. 2005). Ainda assim, apesar de vários artigos recentes bastante interessantes, os resultados sobre o balanço de energia e fertilidade são contraditórios. Overton e Waldron (2004) redigiram uma descrição extensa e clara das estratégias nutricionais para o suporte das demandas metabólicas durante o período de transição e estão além do escopo do presente artigo. Finalmente, os programas de seleção genética de vacas leiteiras sempre enfatizaram as características de produção de leite via mobilização das reservas corporais. Esta perda de ECC não só depende da massa disponível de tecido adiposo, como também de ponto geneticamente determinado de ECC. Este ponto está correlacionado com o resultado reprodutivo (Lucy 2007). Desta forma, os critérios de seleção genética deveriam também incluir variáveis referentes às variações de ECC após o parto, além das características de fertilidade (Royal et al. 2000). Conclusões Em vacas leiteiras de alta produção, a intensa seleção para produção de leite resultou em prioridade de direcionamento de energia para o leite, em detrimento das reservas corporais, resultando em BEN prolongado e acentuado e piora do desempenho reprodutivo. Desta forma, produção de leite e desempenho reprodutivo tem interesses conflitantes em vacas leiteiras de alta produção. Metabólitos e hormônios metabólicos associados ao direcionamento prioritário de energia para a produção de leite (AGNEs, insulina, glicose, IGF-1, -OH) influenciam a fertilidade, tanto indiretamente através da modulação do eixo somatotrófico ⁄gonadotrófico, assim como diretamente no ovário, folículo ou ambiente uterino. Os distúrbios da fertilidade pósparto podem ser evitados através de acompanhamento cuidadoso no período periparto para o monitoramento do estado de saúde da vaca e a perda de ECC e tratamento direto de distúrbios (infecciosos ou metabólicos) em início de lactação. Além disso, uma série de novas e promissoras estratégias nutricionais, de manejo e de seleção genética foi proposta, que tem o potencial de desviar o foco do eixo somatotrófico que prioriza o direcionamento de energia para o leite para o eixo somatotrófico, que prioriza as reservas corporais para melhorar a fertilidade. As pesquisas nesta área ainda são limitadas e devem explorar tais estratégias, comparando seus benefícios ou até mesmo combinando duas ou mais estratégias, o que seria essencial para a melhora da sanidade e bem estar da moderna vaca leiteira. Interações entre os Eixos Somatotrófico e Gonadotrófico Extensas pesquisas científicas demonstraram que os mecanismos que regulam a distribuição de energia e nutrientes no sistema somatotrófico podem afetar o sistema reprodutivo em diferentes níveis do eixo hipotalâmico–pituitário–ovariano (Roche 2006; Chagas et al. 2007). No hipotálamo, as interações entre os sistemas gonadotrófico e somatotrófico podem ocorrer na área pré-óptica (Blache et al. 2006, 2007). Esta região produz os hormônios de liberação que controlam tanto a secreção de gonadotrofinas quanto de somatotrofinas (Kacsoh 2000). Além disso, desempenha um papel crítico na integração do apetite (Wynne et al. 2005), comportamento estral (Pfaff 2005) e a percepção do estado nutricional (Wade e Jones 2004). Consequentemente, as informações metabólicas no hipotálamo podem ter efeitos divergentes sobre os eixos gonadotrófico e somatotrófico, ou seja, o estímulo da produção de GH pode ser acompanhada pela inibição da secreção de GnRH (Zieba et al. 2005). Os hormônios metabólitos que exercem função de sinalização são glicose e insulina. Baixos teores pósparto de insulina e glicemia reduzida suprimem a secreção hipotalâmica de GnRH e posterior liberação de LH pela hipófise (Diskin et al. 2003; Ohkura et al. 2004). Ao ativar neurônios específicos no pró-encéfalo, peptídeos tais como o neuropeptídeo Y e catecolaminas são liberados, suprimindo o gerador hipotalâmico de pulsos de GnRH (Ichimaru et al. 2001; Diskin et al. 2003; Wade e Jones 2004). Outros sinais metabólicos podem envolver leptina e AGNEs, embora seu papel ainda não tenha sido esclarecido (Liefers et al. 2003; Wade e Jones 2004; Amstalden et al. 2005). No ovário desenvolvimento folicular parece ser diretamente influenciado por alterações de níveis de insulina, IGF-I, leptina e AGNEs. Como a insulina estimula localmente o crescimento e a maturação folicular e esteroidogênese, a redução das concentrações no período pósparto estão correlacionadas à disfunção ovariana (Gutierrez-Aguilar 1997; Landau et al. 2000; Armstrong et al. 2002a; Butler et al. 2004; Vanholder et al. 2005a; Kawashima et al. 2007). O tratamento de longo prazo com somatotropina bovina exógena claramente eleva o número de pequenos folículos (Bols et al. 1998). Gong (2002) demonstrou que os efeitos benéficos da insulina sobre a função ovariana são independentes das variações de liberação de GnRH⁄LH. Nas células ovarianas, as GLUT-1 e GLUT-3 insulina-independentes são os principais transportadores de glicose, enquanto a GLUT-4 insulina-dependente somente desempenha um papel de suporte (Nishimoto et al. 2006). Desta forma, a insulina pode exercer seus efeitos através de outros mecanismos que não a mediação da captação de glicose. Além da insulina, o sistema IGF também desempenha papel importante no crescimento e desenvolvimento folicular ao atuar diretamente sobre as células ovarianas (Spicer e Echternkamp 1995; Gutierrez-Aguilar 1997; Beam e Butler 1999; Webb et al. 1999; Gong 2002). Consequentemente, baixos níveis circulantes de IGF-1 influenciam negativamente a retomada da atividade ovariana pósparto e parecem estar envolvidos no desenvolvimento de folículos ovarianos císticos (Beam e Butler 1997; Kawashima et al. 2007; Ortega et al. 2007). Os efeitos da leptina sobre a esteroidogênese e proliferação celular são dependentes das concentrações séricas de IGF-1, LH e insulina (Spicer e Francisco 1997, 1998; Spicer et al. 2000). No ovário os AGNEs podem afetar o crescimento e desenvolvimento folicular ao atuarem diretamente sobre as células do folículo. A adição in vitro de AGNEs em concentrações medidas no fluido folicular (FF) durante o BEN (balanço energético negativo) tem efeitos negativos sobre a viabilidade e função de células foliculares (Leroy et al. 2005b; Vanholder et al. 2005b, 2006b). Em conclusão, as alterações metabólicas induzidas pelo sistema somatotrófico para sustentar altos níveis de rendimento leiteiro também afetam o sistema reprodutivo. Ao atuar em diferentes níveis do eixo hipotalâmico–pituitário–ovariano, níveis alterados de hormônios e metabólitos exercem efeito negativo sobre o crescimento e desenvolvimento de folículos e provavelmente sobre a ovulação. Consequências para a Qualidade do Ovócito Os pesquisadores supõem a existência de um efeito residual (carry-over effect) das condições metabólicas adversas durante o crescimento de folículos primários no período pósparto imediato sobre a saúde do folículo préovulatório, 2–3 meses depois (Britt 1992). Tais folículos podem ser menos capazes de produzir níveis adequados de estrógenos e progesterona (depois da ovulação) e podem estar destinados a conter um ovócito de qualidade inferior (Britt 1992; Roth et al. 2001a). A capacidade de desenvolvimento do ovócito está intimamente ligada à fase de crescimento e à saúde do folículo em desenvolvimento (Bilodeau-Goeseels e Panich 2002; Sutton et al. 2003; Lequarre et al. 2005). Finalmente, a composição da dieta também pode alterar o microambiente endócrino e metabólico do ovócito em desenvolvimento (Boland et al. 2001; McEvoy et al. 2001; Kenny et al. 2002). Um ambiente endócrino alterado, devido ou em consequência de BEN pode alterar a qualidade do ovócito através de uma série de mecanismos, tais como atraso do crescimento folicular e da retomada da progressão da meiose, todos já objeto de revisões anteriores detalhadas (Leroy et al. 2007). Somente poucos estudos examinaram os efeitos possíveis sobre a qualidade do ovócito das baixas concentrações de glicose ou da elevação dos níveis de -hidroxibutirato (-OHB) ou AGNEs associados ao BEN. Além dos efeitos indiretos da hipoglicemia nas vacas recémparidas (através de um efeito sobre a secreção de LH ou responsividade ovariana às gonadotrofinas), as condições de hipoglicemia (como cetose clínica) se refletem no microambiente do ovócito préovulatório e podem comprometer sua capacidade de desenvolvimento, pois a glicose é uma molécula indispensável para uma maturação adequada do ovócito (Bilodeau-Goeseels 2006; consultar revisão de Sutton et al. 2003; Leroy et al. 2004, 2006). Kruip e Kemp (1999) sugeriram possíveis efeitos tóxicos diretos de altos níveis de AGNEs no ovario. Em um modelo da maturação in vitro, ácidos graxos de cadeia longa saturados reduziram as taxas de maturação, fertilização, clivagem e formação de blastocistos. Apoptose ou mesmo necrose das células do cúmulo ocorridas durante a maturação poderiam explicar estes efeitos (Leroy et al. 2005b). Finalmente, concentrações elevadas de amônia e uréia no fluido folicular, decorrentes de uma dieta desequilibrada e catabolismo de proteínas também se mostraram tóxicas para o ovócito (Sinclair et al. 2000; De Wit et al. 2001; Leroy et al. 2004). Fase Inicial da Gestação em Vacas Leiteiras de Alta Produção: Qualidade do Embrião A mortalidade embrionária precoce é a principal causa de falha reprodutiva em vacas de leite, representando até 80% das perdas totais de gestação (Santos et al. 2004a). Existem quatro principais fatores que afetam a qualidade do embrião no caso específico de vacas leiteiras de alta produção: qualidade dos gametas, qualidade do corpo lúteo combinada à concentração de progesterona circulante, involução uterina e nutrição. Entretanto, somente discutiremos os fatores relacionados ao BEN. Condições préovulatórias adversas, como BEN, podem ter efeitos residuais (carry-over effects) sobre o metabolismo e viabilidade embrionária, resultando em mortalidade precoce (Yaakub et al. 1999; Lozano et al. 2003; Rhoads et al. 2006). Pode ser bastante difícil separar os efeitos do ovócito das influências pósfertilização sobre a qualidade do embrião. Somente embriões de pelo menos 6 dias de idade podem ser transferidos para receptoras para avaliar o impacto do ambiente uterino sobre a qualidade do embrião. Lucy (2007) defende a idéia de que a fertilidade pode ser melhorada em vacas leiteiras através da transferência de embriões, evitando assim os efeitos do período do ovócito e desenvolvimento embrionário precoce. Concentrações bem sincronizadas e balanceadas de progesterona são vitais para a viabilidade do zigoto imediatamente após a fertilização, uma vez que a progesterona modula as secreções endometriais, otimizando a receptividade uterina (McEvoy et al. 1995). Já foi levantada a hipótese de que os resultados decepcionantes em termos de taxas de concepção e prenhez em vacas leiteiras modernas são parcialmente decorrentes do atraso para a elevação dos níveis de progesterona e concentrações subótimas de progesterona durante a fase lútea (Mann e Lamming 2001). Além disso, o típico BEN observado no período pósparto imediato pode reduzir o número de ciclos estrais ovulatórios que antecedem a IA, impedindo que ocorra uma preparação adequada do útero (Butler 2003). Villa-Godoy et al. (1988) demonstraram que vacas em BEN pósparto apresentavam concentrações mais baixas de progesterona durante os três primeiros ciclos após a parição. Apesar de maiores volumes de tecido luteal que em novilhas não lactantes, os níveis máximos de progesterona em vacas em lactação são inferiores, possivelmente devido a maior taxa de degradação hepática do hormônio (Sangsritavong et al. 2002; Sartori et al. 2004; Wiltbank et al. 2006). A boa involução uterina pós-parto, com reparo do endométrio e esvaziamento de conteúdos contaminados por bactérias, é de fundamental importância para o desempenho reprodutivo (Roche et al. 2006). Devido aos efeitos na supressão da resposta imunológica, BEN pode retardar dramaticamente este processo, comprometendo a fertilidade futura (Wathes et al. 2007). Além do interesse nas consequências do BEN e desequilíbrios endócrinos e metabólicos associados, o foco também está sendo direcionado para o efeito das dietas que promovem alto rendimento leiteiro, ricas em energia e proteína (Leroy et al. 2007). Estes estudos nos indicam que condições nutricionais ideais para crescimento folicular e ovulação não são compatíveis com a sobrevida embrionária e manutenção da prenhez (O’Callaghan e Boland 1999). Finalmente, o estresse calórico pode levar à redução no consumo de matéria seca, prolongando o período em BEN, reduzindo as concentrações plasmáticas de insulina, glicose e IGF-I e promovendo a manutenção de altas concentrações de GH e AGNEs (Drew 1999; Butler 2001). Além disso, existe o efeito direto do estresse calórico sobre os níveis plasmáticos de FSH (elevação) e estradiol (redução) (Wolfenson et al. 1997; Wilson et al. 1998). O resultado é fraca expressão de estro e seleção tardia do folículo, o que potencialmente afeta negativamente a qualidade do ovócito (Roth et al. 2001a,b). Além disso, o estresse calórico pode elevar a temperatura uterina ao reduzir a irrigação sanguínea do útero. Estas alterações inibem o desenvolvimento embrionário (Rivera e Hansen 2001), promovem maior perda embrionária precoce e reduzem a porcentagem de inseminações bem sucedidas (Garcia-Ispierto et al. 2007). O impacto do efeito do calor é reduzido à medida que o embrião se desenvolve (Paula-Lopes et al. 2003). Algumas Dicas para a Modificação do Eixo Somatotrófico para a Obtenção de Resultados Aceitáveis de Fertilidade Atacar o problema multifatorial da subfertilidade em vacas leiteiras é um enorme desafio, uma vez que as alterações ‘no eixo somatotrófico’ acima descritas não são os únicos fatores para o declínio da fertilidade. Fatores de manejo, tipos de sistemas de produção, maior suscetibilidade a doenças, aumento do número de animais nos rebanhos leiteiros e baixa disponibilidade de mão de obra interferem com a capacidade de procriação da vaca leiteira (Mallard et al. 1998). Todos estes fatores devem ser cuidadosamente considerados quando se estabelece um plano de manejo, mas estão além do escopo deste trabalho. Os distúrbios metabólicos (hipocalcemia, cetose e acidose) e doenças infecciosas durante o puerpério são fatores de risco que podem afetar a eficiência do desempenho reprodutivo (Grohn e Rajala-Schultz 2000; Santos et al. 2004b). Bom manejo de parição e cuidadosa observação do estado de saúde da vaca na fase de pósparto imediato são vitais para evitar reduções muito drásticas do apetite do animal. Determinações precisas e repetidas do ECC para estimar a variação nas reservas corporais são fundamentais. Para minimizar as variações de ECC e evitar a ‘exaustão das reservas de energia’ logo após o parto é necessária uma estratégia nutricional ideal, com redução do consumo de energia durante as primeiras semanas do período seco seguida de maior fornecimento de energia (carboidratos) logo antes do parto (consultar revisão de Overton e Waldron 2004). Entretanto, ainda há discussão quanto ao real benefício obtido com a energia adicional préparto sobre o balanço energético pósparto (Grummer 2007). Além disso, modulação adequada da energia da dieta durante o período pósparto imediato parece uma abordagem promissora, embora difícil (Grummer 2007). Van Knegsel et al. (2007a) compararam os efeitos de uma dieta isocalórica e isonitrogenada, uma dieta basicamente glicogênica (amido by-pass) ou uma dieta basicamente lipogênica (polpa de beterraba, MEGALAC e óleo de palma) e demonstraram que a dieta glicogênica (ou ‘insulinogênica’) estimula o direcionamento de energia principalmente para as reservas corporais em fase inicial de lactação. As vacas alimentadas com a dieta glicogênica apresentaram menor BEN e menor mobilização de gordura corporal, que resultou em depressão dos teores de gordura do leite e menor direcionamento de energia para o leite (Van Knegsel et al. 2007a). Em um estudo complementar (Van Knegsel et al. 2007b), vacas multíparas alimentadas com a dieta glicogênica também apresentaram concentrações plasmáticas de insulina mais elevadas e tenderam a retomar mais precocemente a atividade ovariana (20,4 ± 2,1 dias) se comparadas a vacas alimentadas com a dieta mais lipogênica (26,1 ± 2,1 dias). Acredita-se que alterações de manejo tem grande probabilidade de ter efeito positivo sobre o balanço energético. O encurtamento ou mesmo eliminação do período seco melhora o consumo de material seca no periparto, reduz a produção de leite na fase inicial da lactação, melhora o balanço energético e reduz o número de dias pósparto até a retomada da atividade ovariana (Gumen et al. 2005; Rastani et al. 2005). Além disso, mais atenção tem sido dada ao teor de ácidos graxos na dieta e à composição da suplementação de gorduras by-pass durante o período pósparto imediato. Não quanto ao efeito sobre o balanço energético em si, mas à melhora da secreção de esteróides e alteração do perfil de ácidos graxos (mais ácidos graxos -3 poliinsaturados), resultando em modificação do metabolismo de prostaglandinas (Thatcher et al. 2006). A supressão da síntese da gordura do leite através da suplementação de ácidos linolênicos conjugados protegidos da ação ruminal (trans-10, cis-12) já foi sugerida como meio de restringir a perda de energia através do leite (Castaneda-Gutierrez et al. 2005). Ainda assim, apesar de vários artigos recentes bastante interessantes, os resultados sobre o balanço de energia e fertilidade são contraditórios. Overton e Waldron (2004) redigiram uma descrição extensa e clara das estratégias nutricionais para o suporte das demandas metabólicas durante o período de transição e estão além do escopo do presente artigo. Finalmente, os programas de seleção genética de vacas leiteiras sempre enfatizaram as características de produção de leite via mobilização das reservas corporais. Esta perda de ECC não só depende da massa disponível de tecido adiposo, como também de ponto geneticamente determinado de ECC. Este ponto está correlacionado com o resultado reprodutivo (Lucy 2007). Desta forma, os critérios de seleção genética deveriam também incluir variáveis referentes às variações de ECC após o parto, além das características de fertilidade (Royal et al. 2000). Conclusões Em vacas leiteiras de alta produção, a intensa seleção para produção de leite resultou em prioridade de direcionamento de energia para o leite, em detrimento das reservas corporais, resultando em BEN prolongado e acentuado e piora do desempenho reprodutivo. Desta forma, produção de leite e desempenho reprodutivo tem interesses conflitantes em vacas leiteiras de alta produção. Metabólitos e hormônios metabólicos associados ao direcionamento prioritário de energia para a produção de leite (AGNEs, insulina, glicose, IGF-1, -OH) influenciam a fertilidade, tanto indiretamente através da modulação do eixo somatotrófico ⁄gonadotrófico, assim como diretamente no ovário, folículo ou ambiente uterino. Os distúrbios da fertilidade pósparto podem ser evitados através de acompanhamento cuidadoso no período periparto para o monitoramento do estado de saúde da vaca e a perda de ECC e tratamento direto de distúrbios (infecciosos ou metabólicos) em início de lactação. Além disso, uma série de novas e promissoras estratégias nutricionais, de manejo e de seleção genética foi proposta, que tem o potencial de desviar o foco do eixo somatotrófico que prioriza o direcionamento de energia para o leite para o eixo somatotrófico, que prioriza as reservas corporais para melhorar a fertilidade. As pesquisas nesta área ainda são limitadas e devem explorar tais estratégias, comparando seus benefícios ou até mesmo combinando duas ou mais estratégias, o que seria essencial para a melhora da sanidade e bem estar da moderna vaca leiteira. Algumas Dicas para a Modificação do Eixo Somatotrófico para a Obtenção de Resultados Aceitáveis de Fertilidade Atacar o problema multifatorial da subfertilidade em vacas leiteiras é um enorme desafio, uma vez que as alterações ‘no eixo somatotrófico’ descritas anteriormente não são os únicos fatores para o declínio da fertilidade. Fatores de manejo, tipos de sistemas de produção, maior suscetibilidade a doenças, aumento do número de animais nos rebanhos leiteiros e baixa disponibilidade de mão de obra interferem com a capacidade de procriação da vaca leiteira (Mallard et al. 1998). Todos estes fatores devem ser cuidadosamente considerados quando se estabelece um plano de manejo. Os distúrbios metabólicos (hipocalcemia, cetose e acidose) e doenças infecciosas durante o puerpério são fatores de risco que podem afetar a eficiência do desempenho reprodutivo (Grohn e Rajala-Schultz 2000; Santos et al. 2004b). Bom manejo de parição e cuidadosa observação do estado de saúde da vaca na fase de pósparto imediato são vitais para evitar reduções muito drásticas do apetite do animal. Determinações precisas e repetidas do ECC para estimar a variação nas reservas corporais são fundamentais. Para minimizar as variações de ECC e evitar a ‘exaustão das reservas de energia’ logo após o parto é necessária uma estratégia nutricional ideal, com redução do consumo de energia durante as primeiras semanas do período seco seguida de maior fornecimento de energia (carboidratos) logo antes do parto (Overton e Waldron 2004). Entretanto, ainda há discussão quanto ao real benefício obtido com a energia adicional préparto sobre o balanço energético pósparto (Grummer 2007). Além disso, modulação adequada da energia da dieta durante o período pósparto imediato parece uma abordagem promissora, embora difícil (Grummer 2007). Van Knegsel et al. (2007a) compararam os efeitos de uma dieta isocalórica e isonitrogenada, uma dieta basicamente glicogênica (amido by-pass) ou uma dieta basicamente lipogênica (polpa de beterraba, MEGALAC e óleo de palma) e demonstraram que a dieta glicogênica (ou ‘insulinogênica’) estimula o direcionamento de energia principalmente para as reservas corporais em fase inicial de lactação. As vacas alimentadas com a dieta glicogênica apresentaram menor BEN e menor mobilização de gordura corporal, que resultou em depressão dos teores de gordura do leite e menor direcionamento de energia para o leite (Van Knegsel et al. 2007a). Em um estudo complementar (Van Knegsel et al. 2007b), vacas multíparas alimentadas com a dieta glicogênica também apresentaram concentrações plasmáticas de insulina mais elevadas e tenderam a retomar mais precocemente a atividade ovariana (20,4 ± 2,1 dias) se comparadas a vacas alimentadas com a dieta mais lipogênica (26,1 ± 2,1 dias). Acredita-se que alterações de manejo tem grande probabilidade de ter efeito positivo sobre o balanço energético. O encurtamento ou mesmo eliminação do período seco melhora o consumo de material seca no periparto, reduz a produção de leite na fase inicial da lactação, melhora o balanço energético e reduz o número de dias pósparto até a retomada da atividade ovariana (Gumen et al. 2005; Rastani et al. 2005). Além disso, mais atenção tem sido dada ao teor de ácidos graxos na dieta e à composição da suplementação de gorduras by-pass durante o período pósparto imediato. Não quanto ao efeito sobre o balanço energético em si, mas à melhora da secreção de esteróides e alteração do perfil de ácidos graxos (mais ácidos graxos -3 poliinsaturados), resultando em modificação do metabolismo de prostaglandinas (Thatcher et al. 2006). A supressão da síntese da gordura do leite através da suplementação de ácidos linolênicos conjugados protegidos da ação ruminal (trans-10, cis-12) já foi sugerida como meio de restringir a perda de energia através do leite (Castaneda-Gutierrez et al. 2005). Ainda assim, apesar de vários artigos recentes bastante interessantes, os resultados sobre o balanço de energia e fertilidade são contraditórios. Overton e Waldron (2004) redigiram uma descrição extensa e clara das estratégias nutricionais para o suporte das demandas metabólicas durante o período de transição. Finalmente, os programas de seleção genética de vacas leiteiras sempre enfatizaram as características de produção de leite via mobilização das reservas corporais. Esta perda de ECC não só depende da massa disponível de tecido adiposo, como também de ponto geneticamente determinado de ECC. Este ponto está correlacionado com o resultado reprodutivo (Lucy 2007). Desta forma, os critérios de seleção genética deveriam também incluir variáveis referentes às variações de ECC após o parto, além das características de fertilidade (Royal et al. 2000). Conclusões Em vacas leiteiras de alta produção, a intensa seleção para produção de leite resultou em prioridade de direcionamento de energia para o leite, em detrimento das reservas corporais, resultando em BEN prolongado e acentuado e piora do desempenho reprodutivo. Desta forma, produção de leite e desempenho reprodutivo tem interesses conflitantes em vacas leiteiras de alta produção. Metabólitos e hormônios metabólicos associados ao direcionamento prioritário de energia para a produção de leite (AGNEs, insulina, glicose, IGF-1, -OH) influenciam a fertilidade, tanto indiretamente através da modulação do eixo somatotrófico/gonadotrófico, assim como diretamente no ovário, folículo ou ambiente uterino. Os distúrbios da fertilidade pósparto podem ser evitados através de acompanhamento cuidadoso no período periparto para o monitoramento do estado de saúde da vaca e a perda de ECC e tratamento direto de distúrbios (infecciosos ou metabólicos) em início de lactação. Além disso, uma série de novas e promissoras estratégias nutricionais, de manejo e de seleção genética foram propostas, que tem o potencial de desviar o foco do eixo somatotrófico que prioriza o direcionamento de energia para o leite para o eixo somatotrófico, que prioriza as reservas corporais para melhorar a fertilidade. As pesquisas nesta área ainda são limitadas e devem explorar tais estratégias, comparando seus benefícios ou até mesmo combinando duas ou mais estratégias, o que seria essencial para a melhora da sanidade e bem estar da moderna vaca leiteira. Referências (ver no original)

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