Leite de descarte: deve ser fornecido para bezerras
Camila Silano* e Marcos Veiga dos Santos
Um dos principais prejuízos que o produtor percebe em relação à mastite é o
descarte do leite de vacas em tratamento de mastite clínica. O tratamento de
mastite é a principal causa de uso de antibióticos em vacas leiteiras.
Considerando os custos totais de um caso clínico, o descarte do leite pode
representar até 40% dos custos diretos, enquanto que os custos de redução da
produção são estimados em 55% e custos com medicamentos, 5%. Isso ocorre porque
todo leite proveniente de vacas tratadas com antibióticos, o chamado leite de
descarte, não pode ser vendido para consumo humano. Este leite além de
representar uma séria perda econômica para o produtor, torna-se também um
problema de resíduo na fazenda, pois não deve ser descartado no ambiente,
principalmente em situações, nas quais um elevado número de vacas encontra-se
em tratamento. Como alternativa para reduzir ambos os problemas econômicos e
ambientais, muitos produtores adotam a prática de fornecer este leite de
descarte para as bezerras em fase de aleitamento. Esta solução aparentemente
simples ainda é tema de grande controvérsia, pois o fornecimento de leite com
resíduos de antibióticos pode trazer dois problemas potenciais: a) aumentar o
risco de resistência bacteriana em bactérias intestinais, b) transmissão de
bactérias causadoras de mastite para as bezerras em crescimento.
Alguns estudos demonstraram que a ocorrência de resistência antimicrobiana é
maior em bezerros do que vacas adultas, sendo mais comum sobre bactérias
Escherichia coli (E. coli) de origem intestinal. Como a resistência
antimicrobiana é resultado do uso continuado de antibióticos, fornecer o leite
de descarte, pode resultar em seleção indireta de bactérias resistentes na
flora intestinal dos bezerros. Além da seleção de bactérias resistentes, a
resistência aos antimicrobianos pode ser transferida entre bactérias
patogênicas que causam infecções em humanos e animais. Desta forma, a eficácia
dos antibióticos pode ser comprometida quando houver a necessidade de tratamentos
em humanos e animais.
Os resultados de estudos sobre uso de leite de descarte para aleitamento de
bezerras são inconsistentes e em pequeno número. Por exemplo, um estudo
realizado na Inglaterra avaliou os efeitos da alimentação de bezerras com leite
de vacas em tratamento com antibiótico sobre o consumo de leite, o desempenho
de crescimento e os níveis de resistência de bactérias entéricas. As bezerras
foram alimentadas com leite descartado de vacas em tratamento com antibióticos
ou com sucedâneos comerciais. O leite contendo resíduos de antibiótico foi
menos palatável e houve maior taxa de rejeição. Além disso, a ganho de peso das
bezerras foi menor quando alimentadas com o leite de descarte. Em relação à
resistência bacteriana, cepas intestinais de E. coli apresentaram maior
resistência para estreptomicina, mas não para ampicilina. Outros estudos, no
entanto, apontaram resultados diferentes, uma vez que o uso do leite de
descarte não trouxe prejuízos sobre o consumo de leite, ganho de peso e
incidência de diarreias, uma vez que o valor nutricional do leite de descarte é
similar ao do leite normal.
Se manejado e fornecido corretamente o uso de leite de descarte para
aleitamento de bezerras pode ser uma alternativa econômica e nutritiva para o
aleitamento de bezerras. No entanto, o uso do leite de descarte não está livre
de riscos de transmissão de doenças e de aumento da resistência antimicrobiana.
Sendo assim, alguns cuidados devem ser tomados com o leite de descarte:
• Não utilize leite de descarte para bezerros nos primeiros dias de vida. Neste
período inicial, a parede intestinal é mais permeável a bactérias causadoras de
doenças. Além disso, não utilize leite de descarte com alterações visuais
(presença de sangue, leite aquoso, excesso de grumos).
• O leite da primeira ordenha após o tratamento com antibiótico deve ser
diluído em maior volume de leite sem antibiótico, pois contém uma carga elevada
do princípio ativo. Todo o leite de descarte deve ser identificado para evitar
risco de contaminação do leite a ser comercializado.
• Forneça leite de vacas em bom estado de saúde. Para reduzir o risco de
transmissão de doenças pelo leite, o ideal é pasteurizar (72OC por 15-20
segundos ou 65oC por 30 minutos) todo o leite a ser usado para aleitamento das
bezerras. Esta prática reduz o risco de que o leite seja um veículo de
transmissão de agentes causadores de doenças, como mastite, E. coli, S. aureus,
Salmonella, diarreia viral bovina e paratuberculose.
• Leite de vacas com mastite somente deve ser fornecido para bezerras alojadas
individualmente (sem contato entre si), para evitar a ocorrência de mamada
entre bezerras, o que aumenta a risco de transmissão de agentes causadores de
mastite em novilhas.
*Camila Silano é médica veterinária e aluna de pós-graduação em Nutrição e
Produção Animal da FMVZ-USP.