segunda-feira, 2 de julho de 2012

USO DE VACINAS COMO FERRAMENTAS PARA CONTROLE DE MASTITE BOVINA


Uso de vacinas como ferramentas para controle de mastite bovina - Parte 1

Marcos Veiga dos Santos1 e Tiago Tomazi2

Vacinação como ferramenta de controle e prevenção

As atuais medidas de controle de mastite em rebanhos leiteiros têm sido recomendadas com base em três princípios básicos: eliminação de infecções existentes, redução das novas infecções e monitoramento da mastite. Grande ênfase e esforços de pesquisa têm sido empregados em medidas de tratamento, preventivas e de higiene do ambiente e durante a ordenha. Contudo, outro importante enfoque do controle de mastite é a melhoria da resistência da vaca e o aumento da capacidade de resposta imune frente aos agentes patogênicos. Desta forma, os mecanismos de controle poderiam atuar de forma conjunta e mais eficiente tanto na prevenção de novas infecções, quanto na eliminação de infecções existentes.

Quando uma bactéria consegue invadir o canal do teto e adentrar na glândula mamária, as células do sistema imune iniciam uma resposta na tentativa de eliminar o patógeno invasor. Estas células incluem os neutrófilos, os macrófagos e os linfócitos, que aumentam rapidamente de concentração na glândula mamária em resposta a presença de uma bactéria. O aumento das células somáticas observadas durante o início da mastite tem função de fagocitar e eliminar as bactérias. No entanto, esta atividade fagocitária é inibida pela fagocitose dos componentes do leite, entre os quais a caseína e gordura, o que diminui a eficiência destas células. Os anticorpos ou imunoglobulinas constituem outro importante mecanismo de resistência, uma vez que são específicos contra um tipo de agente causador de mastite. A principal função dos anticorpos no leite é marcar as bactérias, facilitando, assim, o reconhecimento para a fagocitose e eliminação pelas células do sistema imune. Além disso, a nutrição da vaca leiteira tem o papel importante da nutrição sobre a saúde da glândula mamária, principalmente de micronutrientes, entre eles o selênio, Vitamina E e cobre, os quais possuem efeito de aumentar a capacidade de resposta imune do animal contra infecções. Pesquisas recentes indicam que deficiências de vitamina E e selênio resultam em aumento da incidência de mastite. Desta forma, um adequado fornecimento deste nutrientes é fundamental para aumentarmos a capacidade de resposta imune da vaca.

A vacinação é uma da das formas de aumentar a capacidade de resposta imune da vaca contra um agente patogênico. Os programas de vacinação pode ser usados para aumentar a resistência da vaca contra um agente específico, pois após a imunização, ocorre migração mais rápida de neutrófilos para o local da infecção e a estimulação da produção de anticorpos específicos pelos linfócitos, cujo objetivo é inibir o crescimento bacteriano e a produção de toxinas. Em relação à mastite, as vacinas foram desenvolvidas contra um agente específico, com objetivo de prevenção e não do tratamento da mastite. A vacinação contra mastite busca atingir a pelo menos um dos seguintes objetivos:
• Prevenir a ocorrência de novas infecções intramamárias;
• Reduzir a gravidade e frequência de sintomas clínicos;
• Auxiliar na eliminação de infecções crônicas.

Os resultados obtidos nos estudos iniciais com vacinas contra mastite apresentaram resultados variáveis em razão da grande diversidade de microrganismos causadores, conhecimento incompleto sobre os fatores de virulência e imunidade, dificuldade de manutenção de níveis elevados de anticorpos no leite e esquemas de vacinação deficientes. Atualmente, dentre os patógenos causadores de mastite de maior importância, dois se destacam em relação ao potencial de aumento da capacidade de resposta imune da glândula mamária por meio da vacinação: coliformes e Staphylococcus aureus.

Mastite causada por coliformes

Os coliformes são um grupo de bactérias gram-negativas, cujos principais agentes são: Escherichia coli, Klebsiella sp e Enterobacter sp. A principal fonte destes agentes é o ambiente da vaca, em locais como esterco, urina, barro e camas orgânicas. A transmissão dos casos de mastite ambiental ocorre principalmente entre as ordenhas, mas também pode ocorrer durante a ordenha e no período seco. As mastites causadas por coliformes têm como característica a manifestação clínica aguda e alguns casos com comprometimento sistêmico do animal, os quais podem apresentar endurecimento do quarto afetado, desidratação, inapetência e falta de apetite, febre, toxemia e até morte (cerca de 5% dos casos). Os sintomas de mastite aguda ocorrem em resposta à liberação de toxinas pelos coliformes. A produção de leite é severamente reduzida e pode apresentar aspecto aquoso e com presença de grumos. Este sintomas resultam em grandes prejuízos aos rebanhos afetados, no entanto, a ocorrência de casos clínicos com estas características não é garantia de que o agente seja coliforme. Tipicamente, estes casos de mastite ocorrem no período de 2 semanas após a secagem ou nos 3 primeiros meses de lactação. Mesmo que a grande maioria das infecções causadas por E. coli seja de curta duração (menos de 10 dias), algumas cepas específicas podem causar infecções crônicas.

As mastites ambientais vem se tornando uma preocupação ainda maior em rebanhos com rigoroso controle de mastite contagiosa, o que leva a diminuição da CCS do rebanho e consequentemente, aumento dos riscos de novas infecções intramamárias causadas por coliformes. As estratégias atuais de controle de mastite ambiental baseiam-se na redução da contaminação na extremidade dos tetos, por meio de um bom manejo do ambiente, uma vez que o maior risco de novas infecções geralmente ocorre tanto no período entre as ordenhas quanto durante a ordenha. Entre as principais medidas, pode-se citar o uso de pré, redução da quantidade de água utilizada durante a ordenha para limpeza da vaca e dos equipamentos, e adequada manutenção do equipamento de ordenha. No momento da secagem, o uso de tratamento de vaca seca em associação com selante interno de tetos auxilia na prevenção de novos casos de mastite causados por coliformes, durante o período seco.

O correto dimensionamento das instalações e o uso de camas inorgânicas, com o objetivo de proporcionar para o animal um ambiente limpo e seco são de fundamental importância em sistemas de confinamento. Considerando que estes patógenos ambientais estão disseminados por todo o ambiente da vaca, é praticamente impossível erradicar este tipo de mastite. Além disso, em razão da grande disseminação dessas bactérias ambientais, todas as categorias animais estão sob risco: vacas em lactação, vacas secas e novilhas.

Vacinas contra mastites causadas por coliformes
Uma importante estratégia de controle da mastite causada por coliformes é o aumento da resistência da vaca contra estes agentes por meio da vacinação. Diversas vacinas foram, testadas contra mastites causadas por coliformes, no entanto, devido a grande heterogeneidade dos antígenos deste grupo de bactérias, os primeiros resultados foram insatisfatórios. No entanto, no final da década de 1980, com a identificação e isolamento de uma cepa rugosa mutante de Escherichia coli, denominada J5, foi possível o desenvolvimento de vacina com comprovada eficácia contra coliformes. Esta cepa mutante é capaz de sintetizar um antígeno interno (lipopolissacárideo), que estimula a resposta imune do vaca contra os grupo dos coliformes causadores de mastite.
Os primeiros estudos que avaliaram a vacina E. coli J5 foram desenvolvidos na Califórnia. O uso de 3 doses de vacina E. coli J5, administrada na secagem, 30 dias depois e nos 10 dias após o parto reduziu a incidência de mastite clínica nos 100 primeiros dias de lactação de 12,8%, em animais não vacinados, para 2,6% em animais vacinados. Além da redução de 70-80% da ocorrência de casos clínicos, o uso desta vacina diminui a gravidade dos sintomas clínicos e reduz os riscos de morte e de descarte das vacas com mastite causada por coliformes. As perdas de produção de leite de vacas vacinadas com vacina J5 são 75% menor que as perdas das vacas que não são vacinadas. O uso da vacina J5 durante a lactação reduzir a produção de leite durante alguns dias após a aplicação, em aproximadamente 5-7%.

O uso da vacina J5 deve ser uma recomendação para todos os rebanhos?
Considerando as diferenças de prevalência dos agentes causadores de mastite entre os rebanhos, o uso de vacinação somente teria indicação quando houver risco ou alta ocorrência de mastite causada por coliformes. Além disso, considerando que a vacina tem potencial de evitar morte de animais, pode-se concluir que nestas situações o uso da vacina justifica-se como medida de prevenção, principalmente em rebanho mais especializados e com vacas de alta produção. Um estudo indicou que a relação custo benefício do uso de programas de vacinação contra coliformes (J5) é economicamente justificável quando a incidência de mastite clínica causada por coliformes ultrapassa 1% no rebanho ou quando há elevada ocorrência de casos agudos de mastite, nos quais há risco de morte da vaca.

Por que o controle de mastite causada por Staphylococcus aureus é difícil?
S. aureus é considerado o principal agente causador das mastites contagiosas em vacas leiteiras, uma vez que apresenta alta prevalência em rebanhos de todo o mundo. Em muitos rebanhos, cerca de 30 a 50% dos casos de mastite têm como causa S. aureus. Este micro-organismo é uma bactéria Gram-positiva e, geralmente, é encontrado colonizando a pele e o canal do teto, e o interior da glândula mamária. A transmissão ocorre principalmente durante a ordenha, por meio das teteiras e pelo equipamento de ordenha, pelas mãos dos ordenhadores e panos/esponjas de uso múltiplo. Uma vez no interior da glândula mamária, este agente é capaz de fixar-se às células epiteliais e iniciar uma infecção, a qual tende a se tornar crônica e manter elevada CCS. A infecção intramamária pode então causar necrose do tecido mamário com consequente perda de função secretora, o que leva à redução significativa da produção de leite.
Tipicamente, as infecções causadas por S. aureus apresentam-se na forma subclínica, no entanto, podem ocorrer casos clínicos eventuais. Dentre as características que tornam este micro-organismo um dos principais agentes causadores de mastite, destaca-se a alta capacidade de invasão, que permite a infecção de regiões mais profundas da glândula mamária. Adicionalmente, ocorre formação de tecido fibroso no foco da infecção, formando "bolsões" de bactérias que dificultam a chegada dos antibióticos ao local da infecção. Estas características explicam porque o S. aureus causa infecções de longa duração, com tendência a cronificar-se e baixa taxa de cura, tanto espontânea quanto com a utilização de antibióticos. Os tratamentos com antibióticos durante a lactação apresentam resultados insatisfatórios, pois este micro-organismo é resistente à maioria dos antibióticos disponíveis. Parte das falhas de controle do S. aureus ocorre em razão das diferenças de virulência entre as cepas deste microrganismo. Isto resulta em diferenças na capacidade de resposta da vaca e nos resultados de tratamento contra este agente. Além disso, existe grande variação em quanto à sensibilidade das cepas de S. aureus aos antibióticos, destacando-se a resistência à penicilina. Em vacas infectadas com cepas resistentes, os resultados de tratamento são insatisfatórios, ainda que as cepas possam ser sensíveis quando testadas in vitro.

O controle de mastite causada por S. aureus tem como base a prevenção da transmissão deste micro-organismo das vacas infectadas para as sadias. A prevenção pode ser feita pela segregação das vacas infectadas, por adequada higiene de ordenha (pós-dipping), tratamento de vaca seca e descarte de vacas com mastite crônica, as quais não respondem ao tratamento com antibióticos. O uso de linha de ordenha auxilia na redução da transmissão de S. aureus, sendo recomendado primeiramente a ordenha das vacas sadias antes das vacas já identificadas com S. aureus. Dentro de um programa de redução de mastite causada por S. aureus, o uso de vacinação deve ser vista com uma ferramenta auxiliar e não como substituto das demais medidas de controle e prevenção.

Fonte: SANTOS, Marcos Veiga dos; TOMAZI, Tiago. Vacinas e vacinações: uso de vacinas como ferramenta para controle da mastite bovina. LEITE INTEGRAL, Belo Horizonte, MG, n.38, p. 20-27, abr. 2012.
1Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/USP),2Mestrando em Nutrição e Produção Animal, FMVZ, USP


Vacinas e Vacinações na Pecuária Leiteira - como aumentar a eficiência - Parte 2
  
Programas de Vacinação

Os rebanhos bovinos brasileiros, inseridos na cadeia produtiva do leite, estão distribuídos em diferentes regiões, que caracterizam-se por clima, geografia e condições sócio, econômicas e culturais extremamente heterogêneos. Mesmo ao analisarmos apenas uma região geográfica, vamos observar que as formas de manejo e nutrição, as instalações e o perfil sanitário divergem enormemente entre os rebanhos. Com isso, o grau de estresse, os padrões de resistência a doenças, o potencial de exposição aos patógenos, os riscos e desafios sanitários (rebanhos abertos x rebanhos semi-abertos x rebanhos fechados) são variáveis e únicos para cada rebanho. Essas características, completamente distintas entre os rebanhos, fazem com que não seja possível o estabelecimento de um Programa de Vacinação único, que se ajuste a todos os diferentes tipos de rebanhos leiteiros. Ou seja, não há como elaborar um Programa de Vacinação que seja capaz de se adaptar, e que possa ser utilizado universalmente, frente às distintas condições características de cada rebanho.

Com isso, Programas de Vacinação não podem ser vistos como receitas de bolo. Um determinado programa pode ser excelente quando aplicado em um rebanho, e um completo desastre quando extrapolado para outro em condições distintas. Infelizmente, os microrganismos patogênicos não se distribuem de maneira uniforme entre todos os rebanhos. Em outras palavras, a epidemiologia de cada doença infecciosa apresenta características distintas entre os sistemas de produção. Para que se alcance o sucesso desejado, antes de elaborar um Programa de Vacinação para um determinado rebanho, o profissional da área de saúde animal deve conhecer: i) a epidemiologia das infecções no rebanho para o qual o programa está sendo elaborado; ii) a genética dos animais; iii) o tipo de manejo; iv) a nutrição; v) o tipo de instalações; vi) os métodos utilizados na reprodução; vii) as formas de reposição de animais (rebanho aberto x rebanho fechado); viii) a categoria animal para a qual o programa está sendo proposto; dentre outras características que podem ser específicas para cada rebanho em particular. Somente com a análise do conjunto dessas informações é que poderemos definir:
 

Por que vacinar? Com que vacinar? Quando vacinar? Como vacinar?

Pelos comentários anteriores, fica claro que o sucesso de um Programa de Vacinação em rebanhos leiteiros está condicionado a vários fatores intrínsecos de cada propriedade, que devem ser avaliados individualmente. Também não podemos considerar um Programa de Vacinação estático. Com a evolução do rebanho e das práticas de manejo, o Programa de Vacinação deve ser dinâmico o suficiente para se adaptar às novas condições de criação. Ou seja, ele pode e deve ser modificado de acordo com as alterações que ocorram dentro do rebanho ao longo do tempo.
 

Mesmo considerando todos os aspectos já discutidos, temos que ter em mente que nenhuma vacina, nem as de uso humano, tem capacidade de proporcionar imunidade em 100% dos animais do rebanho. Em uma vacinação bem conduzida, espera-se que a grande maioria dos animais responda adequadamente por meio da elaboração de uma resposta imune suficiente para a proteção frente a um desafio de campo. Entretanto, como o potencial de resposta imunológica não é homogêneo para todos os animais, alguns poderão responder com títulos superiores à média, enquanto que outros poderão não responder ou responder em títulos abaixo do esperado. Essa heterogeneidade na resposta imunológica é característica quando avaliamos a resposta vacinal de animais constituintes de diferentes rebanhos. Só para diferenciarmos, em medicina humana, que avaliamos o indivíduo, ou mesmo em medicina veterinária de animais de companhia (cão, gato) ou esporte, como os equinos, a análise da eficiência de uma vacinação é individual, ou seja, avalia-se a resposta imune do indivíduo. Porém, em medicina de produção temos que considerar o grau de proteção coletivo do rebanho como um todo, e não especificamente de um indivíduo.

Mesmo conhecendo todos esses aspectos relacionados à imunidade coletiva, o nosso objetivo ao estabelecer um Programa de Vacinação é obtermos uma resposta imune o mais homogênea possível. Ou seja, que a expressiva maioria dos animais responda adequadamente, e que a proporção de animais com baixo título de resposta imune seja a menor possível. Nesse intuito, vários tópicos de extrema importância já foram abordados. Com isso, tanto produtores quanto, principalmente, os Médicos Veterinários, podem e devem atuar com o objetivo de potencializar a resposta imune dos rebanhos, providenciando manejo, nutrição e ambiente adequados.

Entretanto, alguns aspectos relativos ao animal, à vacina e à vacinação podem fazer com que a heterogeneidade de resposta imune dos animais aumente ainda mais do que o esperado. Conhecer esses aspectos é importante no sentido de tornarmos a resposta imune mais homogênea, para aumentarmos a eficiência da vacina e, consequentemente, reduzirmos as falhas vacinais.

Alguns aspectos relacionados às falhas vacinais
 

Fatores associados ao animal

1) Idade

Animais muito jovens são considerados imaturos imunologicamente, ou seja, o potencial de resposta imune ainda é muito baixo. Esses animais podem ainda ser considerados imunodeficientes, não apresentando potencial de resposta às vacinas. Animais muito velhos apresentam várias deficiências em sua capacidade imunológica e também não respondem adequadamente às vacinas.

Animais jovens, com até um, dois, ou mesmo até mais meses de vida (a idade depende do antígeno), que receberam colostro em quantidade e qualidade adequadas, possuem anticorpos passivos adquiridos de suas mães. Altos títulos de anticorpos passivos são fundamentais para a proteção contra as principais infecções que ocorrem no período neonatal. Porém, esses anticorpos passivos, por neutralizarem os antígenos vacinais, impedem que os animais possam desenvolver a sua própria resposta imune ativa, sendo responsáveis, quando vacinados, por falhas de vacinação.

2) Variação biológica

Alguns animais, devido às características hereditárias, respondem menos do que a população normal, tanto nos casos da apresentação do antígeno ocorrer por infecção natural, quanto por meio de vacinação. Mesmo sendo vacinados, esses animais não serão imunizados.

3) Nível nutricional

Toda a resposta imune, seja humoral ou celular, depende fundamentalmente de síntese proteica e de divisão celular, em níveis exponenciais. Para isso, os animais gastam energia e nutrientes em abundância. Consequentemente, animais com algum tipo de deficiência nutricional respondem muito pobremente às vacinas. Essa constatação científica dá voz ao jargão popular que diz "vacinar animais com fome é o mesmo que rasgar dinheiro". Primeiro, temos que providenciar nutrição adequada para que, depois, o animal possa apresentar uma resposta imune também adequada.

Ainda com relação ao aspecto nutricional, particularmente na pecuária leiteira, temos que atentar para uma situação muito especial. Em geral, os bovinos leiteiros recebem suplementação alimentar constituída por feno ou silagem. Não vamos discutir a qualidade nutricional desses alimentos. Porém, como são alimentos estocados, temos que lembrar que os mesmos podem ser contaminados por fungos micotoxigênicos. A grande maioria das micotoxinas predominantes em silagens e fenos é potencialmente imunodepressora. Cada micotoxina tem o seu mecanismo de ação e seu efeito deletério próprio ou característico na saúde animal. Porém, secundariamente, todas comprometem em maior ou menor intensidade o sistema imune do animal. O potencial de resposta imunológica dos animais será diretamente comprometido na dependência da concentração da toxina no alimento e do tempo que o animal está recebendo esse alimento contaminado. Com isso, a resposta às vacinas pode estar diminuída ou mesmo suprimida em casos mais graves. Avaliar os níveis de micotoxinas na ração é uma forma de prevenir falhas vacinais, assim como o uso de silagem e feno livres de micotoxinas é um meio de potencializar as respostas vacinais.

4) Interferência de infecções concomitantes

Algumas infecções, quando já presentes no animal por ocasião da vacinação, podem comprometer a resposta imune. Esse tema também deverá ser melhor explorado nos artigos subsequentes dessa série "Vacinas e Vacinações na Pecuária Leiteira".

5) Stress

Todo o tipo de condição estressante, que comprometa o bem-estar animal, pode induzir a produção de hormônios e desequilíbrios químicos que suprimem o sistema imune e, consequentemente, o seu potencial de resposta às vacinas. Um dos exemplos mais clássicos são os altos níveis de cortisol que podem ser identificados em animais mal manejados, criados em instalações inadequadas, em condições de calor e/ou frio excessivos, e em animais com dor ou desconforto (problemas de casco). Em resumo, condições estressantes de qualquer natureza e falhas vacinais caminham juntas.
 

Fatores associados ao antígeno

1) Diversidade de sorotipos

O sistema imune, tanto com relação à resposta imune humoral, quanto celular, é extremamente específico. Alguns microrganismos apresentam mutações (alteração no acido nucleico: DNA ou RNA) que podem ser responsáveis por alterações na constituição dos determinantes antigênicos presentes em sua superfície. Essas alterações podem se expressar na diversidade de distintos sorotipos encontrados em alguns microrganismos. Em algumas situações, o sorotipo de determinado microrganismo presente no rebanho não necessariamente é o mesmo sorotipo do mesmo microrganismo presente na vacina. Essas mutações e diversidades antigênicas, expressas nos diferentes sorotipos de microrganismos patogênicos, são grandes responsáveis por falhas vacinais.

2) Potência e Pureza

Toda vacina, inativada (morta) ou atenuada (viva), deve ter uma massa antigênica suficientemente adequada para estimular o sistema imune. A pureza de uma vacina é importante para a preservação dos determinantes antigênicos íntegros, evitando a sua destruição, principalmente por reações enzimáticas. A pureza também evita efeitos colaterais adversos, como reações alérgicas (locais / sistêmicas), e a formação de abscessos no local da aplicação. A pureza da vacina também refere-se à ausência de contaminação com outro microrganismo qualquer, que podem ser responsável pela introdução de uma nova doença no rebanho. Com relação às vacinas controladas por órgãos oficiais, tanto a potência, quanto a pureza dos imunógenos são controladas e, somente partidas aprovadas, são liberadas. Entretanto, com relação às vacinas não controladas oficialmente, devem ser consideradas, no momento da aquisição do produto, referências quanto à idoneidade, responsabilidade, profissionalismo, dentre outros atributos do laboratório produtor das mesmas.
 

3) Prazo de validade

Vacinas com prazo de validade vencido podem não conter todas as propriedades antigênicas do produto original. Nessa situação, pode estar alterada a massa antigênica, que é a quantidade mínima de antígeno para induzir resposta imune. Paralelamente, por meio de reações químicas proteolíticas, alguns antígenos podem ser destruídos, alterando importantes características antigênicas do microrganismo presente na vacina. Ambas as situações são responsáveis por falhas vacinais. Na prática, essa é uma economia que sai caro.
 

4) Limitações da vacina

Todas as vacinas têm limitações. Essas limitações variam de acordo com o microrganismo constituinte ou com a forma e/ou procedimentos utilizados para a fabricação das mesmas. Alguns antígenos são imunogenicamente fracos e, com isso, as vacinas, ocasionalmente, não induzem imunidade suficiente para a proteção adequada contra a infecção e/ou doença. A aplicação de doses repetidas (boosters vacinal) pode ser, em algumas situações, uma forma de tentar contornar essa limitação. Quando possível, os laboratórios produtores procuram reduzir esse problema por meio do uso de adjuvantes imunológicos. Adjuvantes são produtos químicos que têm o potencial de, inespecificamente, aumentarem a resposta imune, e quando mesclados a um determinado antígeno, aumentam a sua imunogenicidade, ou seja, o seu potencial de induzir resposta imune.

Fatores associados ao manuseio da vacina

1) Manipulação

Toda vacina deve ser estocada e manipulada de acordo com os procedimentos estipulados pelo fabricante. Exposição à luz solar, produtos químicos, variações de temperatura, e temperaturas adversas, podem reduzir ou mesmo eliminar completamente a eficiência da vacina. Vacinas que necessitam ser diluídas, ou mesmo misturadas (fração aquosa/fração sólida), devem ser utilizadas imediatamente após a diluição/mistura. Sobras de vacinas não devem ser guardadas, mesmo que em temperatura adequada, para uso posterior. Sempre que possível, somente utilizar seringas e agulhas descartáveis. Quando utilizar pistolas, atentar para a correta lavagem e esterilização, bem como certificar-se da ausência de resíduos de desinfetantes, que podem destruir os antígenos vacinais. Para as vacinas inativadas associadas a adjuvantes imunológicos, a completa emulsão antígeno x adjuvante é fundamental para o sucesso da vacina. Variações bruscas de temperatura quebram essa emulsão e também são responsáveis por falhas vacinais.
 

2) Via de administração

Atentar para a recomendação do fabricante. Os laboratórios produtores de vacinas fazem testes exaustivos para definir qual a via de aplicação que proporciona a melhor resposta imune. Vacinas de uso intramuscular não devem ser utilizadas pela via subcutânea e vice-versa. Observar também o comprimento e diâmetro adequados da agulha para as diferentes vias de aplicação (intramuscular x subcutânea) e o rótulo ou a bula do produto que indica o local mais indicado para a mesma.

Considerações finais

Esse artigo foi delineado com o objetivo de apresentar aos leitores alguns aspectos que podem ser responsáveis pelo sucesso ou por falhas em Programas de Vacinação. Evitou-se abordar vacinas, infecções e/ou doenças específicas e de maior frequência de ocorrência na pecuária bovina leiteira brasileira. Na realidade, foi objetivo principal mostrar a complexidade do tema que é envolto por uma gama de variáveis. Para isso, foram abordados, mesmo que superficialmente, alguns conceitos básicos de imunologia, de formas de apresentação de doenças infecciosas e de vacinologia, sempre tendo como norte o aumento da eficiência das vacinas utilizadas na pecuária bovina leiteira. Nos artigos subsequentes, o leitor terá a oportunidade de entrar em contato com temas mais práticos e, com isso, talvez mais conhecidos em seu dia-a-dia de trabalho. Como sugestão final, se fosse para reduzir esse artigo em uma só frase que pudesse representar tudo aquilo que foi abordado e, principalmente, que representasse a síntese de nosso objetivo principal para reflexão posterior, sem dúvida, eu selecionaria a seguinte:
 "VACINAR NÃO É SINÔNIMO DE IMUNIZAR".

Esse artigo foi publicado na Revista Leite Integral !!!

Um comentário:

  1. boa noite
    gostaria de ter um modelo de planilha pra essas vacinas
    pode me passar?

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